O epicentro do mais recente conflito agrário no Paraguai está localizado a 75 quilômetros de Foz do Iguaçu, no departamento de Alto Paraná. Um grupo de 6 mil sem-terra paraguaios, chamados de "carperos", está acampado há quase um ano no município de Ñacunday, na divisa entre duas propriedades rurais de produtores descendentes de brasileiros.Eles ameaçam tomar à força uma área de 167 mil hectares espalhados pelos departamentos de Alto Paraná, Canindeyú e Itapúa na faixa de fronteira com o Brasil e a Argentina. Armados e dispostos a radicalizar o movimento, alegam que as terras ocupadas por brasiguaios pertencem ao governo paraguaio e deveriam servir ao projeto de reforma agrária encampado pelo presidente Fernando Lugo.
Os conflitos vêm se acirrando desde o dia 11 de janeiro, logo após uma ordem recebida pelo Exército para que se encarregasse da medição e instalação de marcos nas propriedades que ficam na faixa de fronteira, área de 50 quilômetros desde o limite com os países vizinhos. Uma lei de 2005, recentemente regulamentada pelo governo, proíbe a venda a estrangeiros de terras no denominado cinturão de segurança. Soma-se à lei o interesse dos sem-terra sobre possíveis excedentes de terras que possam ser desapropriadas pelo governo.
Vigília noturna
Apesar das ordens judiciais de reintegração de posse, os carperos resistem e pressionam os produtores. Valdeir Berle, filho de brasileiros nascido no Paraguai, diz temer os ataques, mas que espera uma solução pacífica para o conflito. "Vieram no meu portão ordenando que eu deixasse a propriedade. Disseram que se eu saísse não poderia mais voltar. Desde então, tenho ido dormir lá pelas 4 horas até que meu irmão levante para continuar a vigília. Medo a gente tem, mas daqui, só saio morto."
Representantes dos agricultores têm buscado o apoio de políticos paraguaios na defesa da propriedade privada e dos títulos de terras dos brasileiros. "Nossa situação é totalmente legal. Nossos pais chegaram aqui e, com trabalho sério, começaram a mudar a realidade desta região há mais de 40 anos. Somos filhos de brasileiros, nascemos aqui, somos paraguaios, e herdamos estas terras", afirma Márcio Giordani, membro da Coordenadora Agrícola do Paraguai (CAP), em Santa Rosa del Monday.
Ultimato
Na úlima segunda-feira, líderes dos sem-terra exigiram a posse dos 167 mil hectares, a maioria de propriedade de brasileiros e descendentes, e deram prazo de uma semana para o governo se posicionar. No dia seguinte, voltaram a reclamar as terras e adiantaram que, independentemente da resposta ao pedido, deflagrariam uma nova onda de invasões, a começar pelo município de Ñacunday. No mesmo dia, o presidente Lugo, após reunião com o embaixador do Brasil em Assunção, Eduardo Santos, procurou tranquilizar os brasileiros afastando o risco de conflitos entre paraguaios e brasileiros.
Líderes ruralistas alegam que as ameaças e as ocupações são orquestradas e apoiadas pelo próprio governo. "Existem muitos interesses sobre estas terras. Há muita promessa e muita gente sendo usada. Quem o governo deveria ajudar, como os assentados, por exemplo, não ajuda. Estes estão passando fome. Ou seja, estamos diante de um problema social e político", rebate o representante da CAP em Canindeyú, Hermes Aquino.
Em editorial, jornal critica xenofobia
Três dos principais jornais de circulação nacional no Paraguai destacaram ontem os conflitos entre brasiguaios e carperos na região de Santa Rosa del Monday, no Alto Paraná, próximo à fronteira com o Brasil, segundo a Agência Brasil. O maior jornal paraguaio, o ABC Color, dedicou o editorial ao assunto criticando duramente a xenofobia contra os agricultores brasileiros.
Em sua versão online, o ABC Color disse que os sem-terra do país fazem campanha para acabar com a propriedade privada no Paraguai. De acordo com o texto, há um "espírito distorcido e um falso nacionalismo" que conduzem a atos de "clara xenofobia". No editorial, o jornal alerta sobre "consequências embaraçosas" para a paz social na região.
A principal notícia publicada no jornal Última Hora se refere à determinação do governo de aumentar a segurança nas áreas de conflito no Paraguai os departamentos de Alto Paraná e Itapúa, ambas na fronteira com o Brasil. A estimativa é que 350 mil brasileiros vivam em território paraguaio a maioria é agricultor.
No jornal Diário Popular, o destaque é a ordem do presidente paraguaio, Fernando Lugo, ao ministro do Interior, Carlos Filizzola, para que garanta segurança aos brasiguaios e aos sem-terra do Paraguai, evitando o agravamento da crise. O apelo ocorre no momento em que homens da Polícia Nacional apelam por reajuste salarial.