O repórter Clark Kent, de tão acostumado a enfrentar perigos durante sua rotina de trabalho, tornou um hábito vestir por baixo do terno o uniforme de super-homem. Policiais e bombeiros, na vida real, não têm superpoderes, mas saem de casa para trabalhar preparados para a possibilidade de se depararem com situações arriscadas ao longo do dia. A coragem deles é reconhecida com o aplauso do público, medalhas e honrarias. Já a disposição de outros profissionais ao risco muitas vezes fica esquecida. Isso porque as pessoas não lembram que quem se expõe à reação alheia também precisa de uma boa dose de coragem para trabalhar.

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José Francisco de Jesus, o Tamandaré, não é trabalhador da área de segurança pública e não costuma ser protetor dos fracos e oprimidos nas horas vagas, mas isso não significa que mereça menos lembrança quando se trata de pôr o pescoço (ou todo o corpo) em risco no serviço. Tratador de animais no Zoológico de Curitiba, ele se arrisca dando comida nas bocas (enormes) da família de hipopótamos do zôo. "A gente tem de confiar desconfiando", diz Tamandaré.

Chegar tão perto desses animais é a única maneira de garantir que eles aceitem a medicação misturada nos alimentos, já que só podem ser tratados por via oral. "É preciso que o tratador esteja sempre 100% bem emocionalmente, porque 1% já é suficiente para algo dar errado", alerta. Imaginar Tamandaré em perigo ao lidar com os leões ou outros felinos pode ser um engano. "A gente acaba se machucando justamente quando lida com os mais mansos, porque facilita o acidente", diz o tratador, exibindo uma pequena cicatriz na mão – mordida de um filhote de lobo-guará que estava recebendo comida na boca.

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Os irracionais "companheiros" de trabalho de Tamandaré são capazes também de cuspir, jogar fezes, objetos e até urinar no tratador – comportamento (dadas as devidas proporções) não muito pior do que o que se vê muitas vezes nos jogos de futebol. Que o diga o juiz de futebol Antônio Carvalho, que tem 30 anos de profissão. "Xingamento é uma coisa que a gente nem pára para escutar. Pelo contrário, estranho seria um jogo em que só se ouvissem elogios", brinca. Carvalho nunca foi vítima de agressões físicas graves, mas já perdeu a conta das vezes em que voltou para casa no camburão da Polícia Militar, fugindo de brigas. Nos jogos profissionais, o juiz conta com a proteção policial, mas nos amadores... "Já teve história do trio (de arbitragem) pular o muro para fugir da torcida. No amador, o público vai no jogo pela paixão e reclama e briga muito mais", conta ele.

Se a marcação de um pênalti ou uma expulsão pode acabar em pancadaria, qual seria o prejuízo financeiro suficiente para a mesma reação? Os agentes do EstaR (estacionamento regulamentado de Curitiba) respondem: R$ 7,50, o valor da notificação por deixar de colocar o cartão ou exceder em até duas horas o horário marcado na folhinha. É claro que casos de agressões físicas não são tão comuns, mas as verbais viraram quase uma regra. Até uma equipe de apoio, chamada de Anjo da Guarda, foi criada para auxiliar os agentes em momentos críticos. Sangue frio ao ouvir a lista de palavrões é a orientação para os funcionários, explica a supervisora da equipe, Ivone Oliveira. A ordem é manter o controle, não revidar e esperar a pessoa falar tudo que tem para dizer antes de dar qualquer orientação. "É preciso vocação para o trabalho. Muita gente não agüenta ficar tempo numa função em que você tem de escutar tudo calado", diz Ivone.

Portadora, em sua grande maioria, de notícias ruins, a oficial de justiça Rosely do Carmo Colussi também não é o que se pode chamar de uma pessoa bem-vinda nos locais que visita. Na profissão de Rosely, além de se caminhar longas distâncias em busca de endereços falsos, se ouvem ameaças, palavrões, ofertas de propina e muita história triste. Agressões físicas existem, mas como os oficiais podem dar voz de prisão, elas não são muito comuns. "Lidamos com pessoas de todos os tipos. Já intimei usuários de droga, pobres coitados e ricos nem um pouco inocentes", diz ela. Pergunte a Rosely se dá mais medo de ir à favela ou a um prédio sofisticado, de escritórios: "Na favela existe um respeito maior em relação à Justiça. Já fiquei horas na portaria de prédios chiques esperando a chegada de pessoas que eu tinha certeza de que já estavam lá dentro", resume.