A esquina das ruas XV de Novembro e Mariano Torres, no Centro de Curitiba, tornou-se o ponto de encontro de admiradores de uma poetisa curitibana com sua autora favorita. Passam ali a maior parte do dia falando sobre assuntos variados. Transeuntes de rotina do local podem achar estranho ainda não terem notado tal movimentação de "intelectuais". Afinal, quando se imaginaria que de um grupo de mendigos sairia algum tipo de produção poética? "Quem vê cara, não vê coração", responderia o ditado popular.
Roupas velhas, sandálias surradas e uma touca de lã vestem a "escritora" Izabel Cristina Milano, de 35 anos. Sua produção poética, transcrita com máquina de escrever em livretos (nem tudo, destaque-se, de autoria dela), garante uns trocados para comprar comida e material de trabalho (papel e grampos de grampeador). Cobra R$ 3,50 por um caderninho com 10 poesias. "É como consigo dinheiro para comprar comida para mim e para a piazada", diz ela. "Piazada" é o grupo admiradores que se reveza em torno de Izabel cerca de 15 jovens (a maioria rapazes), também moradores de rua, que passam horas sentados ao lado dela. Ficam ali, conversando e escutando os versos que a poetisa coloca no papel ou datilografa em sua máquina.
A história que Izabel conta é de uma infância infeliz. Um quebra-cabeça de difícil encaixe. Os pais, segundo ela, a abandonaram no Passeio Público quando tinha 5 anos. "Meu pai falou para eu ficar olhando os macacos que ele já voltava. Nunca mais soube deles", relata. Sozinha na rua, passou a cuidar de carros nas proximidades do Hospital de Clínicas. Foi quando um casal de moradores de rua tomou para si a responsabilidade pela menina. Dormiam os três debaixo de um viaduto, nas proximidades da Rodoferroviária. "Eles sempre conseguiam comida para mim. E me matricularam na escola, onde fiquei até a 5.ª série. A dona Maria (mãe de rua de Izabel) lavava minhas roupas no chafariz da Praça Rui Barbosa e eu ia limpinha para o colégio, ninguém sabia que eu não tinha casa", conta ela.
Com a morte do casal (o pai, de cirrose, e a mãe, de úlcera, poucos meses depois), Izabel voltou a dormir no centro da cidade. "Aprendi a fazer artesanato, tricô, bordado só de ficar olhando os outros fazerem. Vendia copos de time de futebol que eu fazia, mas dava pouco dinheiro. Foi quando uma moça disse que eu deveria procurar meu verdadeiro dom", explica a moradora de rua. Está convencida de que nasceu para escrever poesias, profissão que segue há mais de um ano. "Peguei um caderno e comecei a escrever, não parei mais. Quando estou apaixonada escrevo três ou quatro de uma só vez." A máquina, ela diz ser presente de um homem rico, num carro importado, com motorista particular. "Ele perguntou por que eu pedia dinheiro e eu expliquei que queria comprar uma máquina. Ele desceu do carro, abriu o porta-malas e me deu a máquina", explica.
No desabafo de seus versos, Izabel fala de amor, alegria, tristeza, abandono e desprezo. Faz também rima com os nomes dos companheiros. "Não aprendi a ter em casa o amor e o carinho de um pai e uma mãe. Foi na rua que encontrei minha família, no fundo somos todos irmãos", reflete.
"Fado-Destino"
* Poema retirado de um dos cadernos de Izabel Milano. Como ela mesma diz que nem tudo foi escrito por ela mesma, a autoria deste pode ser incerta.
Numa vida que vivemos,Sentindo a esperança,No olhar a esperamos,O que veio na lembrança.
Como todo o menino,Tem um sonho a realizar,Como todo o destino,Tem um tempo para amar.
O caminho é mais longo,Quando tem que esperar,Com carinho eu te conto,Quem me ensinou a amar.
Vai levar?
R$ 3,50 cadaé o preço de caderno de poesias vendido por Izabel na esquina da Rua XV com a Mariano Torres. Cada um deles contém dez poemas, digitados por ela em uma máquina de escrever segundo ela, doada por um homem rico que parou para perguntar por que ela estava pedindo dinheiro.