Há 14 anos na Polícia Civil, o delegado Carlos Roberto Bacila é um crítico da falta de atenção ao trabalho policial e às delegacias, e da centralização do atendimento nos Centros Integrados de Atendimento ao Cidadão (Ciacs), que funcionam no 1.° Distrito Policial, no Centro da capital, e no 8.° DP, no Portão. Com passagens pelo grupo Tigre (especializado em seqüestros) e na Delegacia de Homicídios, Bacila acredita que a segurança pública no Paraná está sendo gerenciada a partir de um "sistema marxista", que vê na vítima de crime um burguês atacado por um representante do proletariado. Por isso, a população mais pobre perdeu a crença na polícia. "Ela deixou de acreditar na polícia", diz ele, que é delegado em Colombo (região metropolitana de Curitiba), professor de Direito Penal na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e secretário do Sindicato dos Delegados de Polícia do Paraná (Sidepol).
Como os policiais vêem a centralização do atendimento nas delegacias, hoje restrito aos Ciacs? O número de locais de atendimento policial está diminuindo. Treze distritos foram feitos em Curitiba justamente para atender a população no local onde mora. Você tem de levar a polícia cada vez mais perto da população pobre para atender quem é mais vulnerável ao crime. As pessoas têm de sentir proximidade. Não é uma viatura ou uma casinha. Tem de haver uma delegacia organizada, com estrutura para atender a população. Se você reduz o atendimento a dois distritos, está indo no caminho contrário do que as pessoas esperam. Alguma coisa está errada.
O que falta à Polícia Civil hoje para que ela faça um bom trabalho? Começa no aspecto da entrada das delegacias. É preciso humanizar as recepções da polícia. É preciso atender bem a vítima para que ela não fique exposta. As vítimas de crime grave hoje são vitimizadas novamente na delegacia. O bom policial se sente mal, frustrado em não poder atender a pessoa que bate na delegacia. Às vezes ele não pode resolver o problema, sabe que não pode recuperar o aparelho de som do carro, por exemplo, mas dá um tratamento digno à pessoa. É disto que a população precisa: de um atendimento digno.
Falta investimento no policial?O que existe hoje é somente um combate à corrupção, mas isto é procedimental. As pessoas que cometem infrações devem ser punidas em todos os setores. É necessário estimular os bons policiais para resgatar os bons valores à classe policial. Por outro lado está se tentando resolver o problema da segurança pública sem ouvir as bases e isto não se resolve sem ouvir o investigador, o escrivão e o delegado. Temos três ou quatro assessores que estão próximos da cúpula da polícia e estes assessores nem sempre estão comprometidos com a questão da segurança pública. Eles passam informações que muitas vezes não têm a ver com a realidade e só atendem expectativas políticas. Está havendo uma desinformação entre a cúpula e a realidade.
Qual é a situação de trabalho dos policiais hoje?Eles estão desamparados, desestimulados e contando os dias para se aposentar. Não há uma liderança expressiva na polícia. Os policiais que arriscam suas vidas precisam sentir confiança em suas lideranças. Se eles percebem que as lideranças são artificiais, que não estão baseadas em conhecimento e que os líderes não acompanham todas as operações de perto, isso gera um abalo na instituição. O sentimento é de frustração. Não há remuneração para as horas-extras trabalhadas e pelos riscos que se corre. E para conseguir uma licença-prêmio (férias de três meses a cada cinco anos de trabalho do funcionário público), o policial tem de entrar na Justiça.
Hoje a polícia serve ao Estado? Eu diria que existem dois modelos de segurança extremos com duas polícias radicais. A polícia da lei e da ordem, que pune até quem quebra vidraças, o que no meu entender é um sistema tirano. E outro sistema é o marxista, que vê na vítima dos crimes patrimoniais, nos crimes contra a vida, um burguês que está sendo atacado por um criminoso que é representante do proletariado, que está se revoltando contra o sistema de capital. Nesta visão há tolerância contra os crimes patrimoniais. Os extremos são ruins. Pelo que conheço da ideologia do governador, ele ainda segue, não explicitamente, mas sintomaticamente, a idéia da criminologia marxista. Ele vê os movimentos sociais, que muitas vezes reivindicam coisas justas, mas com prática de crimes, com muita tolerância. Outras vezes, os crimes graves e contra o patrimônio das pessoas também são tolerados porque há a visão de um burguês sendo atacado.
Diante de tantas denúncias de excessos e corrupção, é possível acreditar que existe uma polícia boa?A polícia boa não está podendo se expressar. O governador teve boa intenção em combater a corrupção, mas quando três ou quatro pessoas foram chamadas para dizer quem eram os corruptos, isto não acabou com a corrupção e só afastou os inimigos políticos destas pessoas. Só o discurso de combater a corrupção não melhora a atividade policial. Isto não é programa. Programa é estabelecer metas. A segurança pública precisa de metas sérias. Desde reforma de delegacia e cumprir mandados de prisão até diminuir a criminalidade. Traçar objetivos.
Como a polícia está estruturada? O governo diz que paga um dos melhores salários do país e as unidades estão bem equipadas...É preciso esclarecer que uma polícia não fica melhor quando ganha viaturas e aumento de salário. É necessário um pano de fundo. Há uns três anos, eu vi uma estatística que dizia que o estado tinha a menor relação entre policial civil por habitante do país. É necessário ter humildade e não ficar afirmando que a nossa polícia é a melhor do Brasil. Temos de estudar com as polícias de outros estados.
A melhoria da polícia passa pelo aumento do efetivo? O efetivo deve ser aumentado de tempos em tempos. Hoje temos menos policiais na Delegacia de Furtos e Roubos do que tínhamos na década de 70, quando a população era muito inferior. Na subdivisão de Maringá, o número de delegados não é muito superior ao que na era na década de 80. É necessária uma mínima reposição, mas não adianta aumentar e não otimizar o efetivo e não valorizar a carreira do policial.
Por que atualmente há tanta descrença na polícia? A população deixou de acreditar na polícia e de levar informação ao policial. Quando você melhora o atendimento, tem outros benefícios. As pessoas passam a confiar e informar dados de algum crime. Acho que é necessário ver a biografia das pessoas que estão dirigindo a polícia e não estigmatizar todos. A população passa a ver o policial estigmatizado como inimigo e a própria polícia acaba tendo baixa auto-estima e não atrai talentos em concursos. A população precisa voltar a confiar na polícia.