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Viagem ao subterrâneo

A proclamação da nova República

Saiba mais sobre a Rua Dias da Rocha Filho |
Saiba mais sobre a Rua Dias da Rocha Filho (Foto: )

A Avenida República Argentina cruza quatro bairros da cidade – Água Verde, Vila Isabel, Portão e Novo Mundo – e teria todos os predicados para ser declarada "Centro Independente da Curitiba do lado de lá". Nenhuma rua comercial fora da zona tradicional tem mais reconhecimento popular do que essas maltraçadas 30 quadras. Do Terminal do Capão Raso até a Praça do Japão, a República é uma estranha combinação de duas vias estreitíssimas de carros, uma canaleta no meio e, para dor de cabeça geral, infernais comboios de Ligeirinhos se formando a cada dois minutos na frente dos semáforos.

A paisagem da República é tão pouco atraente que, semana passada, quando a matriz da Paróquia Bom Jesus do Portão, na esquina com a João Bettega, pegou fogo, uma comoção pública tomou conta dos moradores. A reportagem sobre o incêndio foi acionada cerca de 20 mil vezes na versão on-line do jornal Gazeta do Povo, fora telefonemas, cartas e manifestações informais. Pudera. Arrisca que no raio dos seis quilômetros da avenida, o templo seja o único prédio histórico de valor reconhecido, o que é muito pouco para a via que viu nascer e crescer madeireiras, vilas operárias, "lojas de turco" e um comércio sortido que não decepciona ninguém – incluindo a clientela que cruza a cidade para fazer compras num dos mais de 1.300 estabelecimentos varejistas. Só no Portão. O Bom Jesus é um oásis nesse deserto de placas comerciais e apelos para o consumo. O cenário em que está pode não render uma foto para cartão-postal, mas milhares de curitibanos não viveriam sem ele.

Basta lembrar que a República é o canal de acesso mais importante do Eixo Norte-Sul, uma das cinco vias estruturais da cidade. Com folga, é o percurso mais movimentado, cujas estatísticas mais intimidam do que causam orgulho (veja infográfico). Nada menos do que 260 mil passageiros passam por dia apenas no Terminal do Pinheirinho – 38 mil nas horas de pico, aquele intervalo danado entre 17 e 19 horas, quando todo mundo deseja ter asas para chegar em casa a vôo. Somado todo o eixo – ou seja, do Pinheirinho ao Cabral – cerca de 290 mil passageiros, pouco mais de 10% dos dois milhões de usuários da rede integrada de transportes de Curitiba e região metropolitana, são figurantes nesse "filme de estrada" reprisado a cada dia.

No passado, aquelas bandas eram caminho da roça para a Lapa, "o portão", como dizia a expressão que virou nome do bairro. Hoje, ao contrário, é daquela zona que saem caravanas de trabalhadores para as áreas mais centrais. São tantos que virou um problema a ser resolvido, "com urgência", de acordo com os técnicos da prefeitura. Com a inauguração dos 18 quilômetros reurbanizados da Linha Verde, em março do ano que vem, 30% da carga pesada do eixo Norte-Sul vai ser aliviada. Mas a previsão é de que em cinco anos a linha volte a registrar sobrecarga de gente e de carros. É essa a folga de tempo que o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) diz precisar para levar adiante um de seus projetos mais ambiciosos – desses de fazer a população sair às ruas e se reunir em comício na hoje minúscula Praça do Novo Mundo.

Uma das propostas para a região – a linha do metrô que ligaria o Pinheirinho ao Cabral – já está sendo discutida até pelo pipoqueiro do Terminal do Capão Raso. Entre 60 ou 80 quilômetros por hora, os três fariam o percurso de 12 quilômetros num estalar de dedos – cinco minutos. O assunto empolga, principalmente quem passa pelo espreme-espreme diário dentro do ônibus. E enche de angústia muitos dos arquitetos e urbanistas que nos últimos 40 anos dedicaram massa encefálica, papel e paixão ao planejamento da capital. O metrô não fazia parte dos planos e devia ter quem jurasse ser mais fácil curitibano viajar de dirigível do que de trem subterrâneo. Pois é.

A outra proposta – e essa pega de jeito até quem já se viu em sonhos cruzando a Churchill, a República Argentina e a Sete de Setembro por baixo e a jato – diz respeito ao que será feito das ruas onde hoje passam o Ligeirinho: em vez de serem abertas para os carros, a exemplo da Visconde de Guarapuava, elas podem virar jardim em quase toda a extensão, alterando o destino da via que tem entroncamentos dignos de metrópole. De acordo com a Urbs, em hora de pico, no cruzamento da República com a Getúlio Vargas passam 2.824 veículos por hora. No cruzamento com a Avenida Água Verde, esse número baixa para 1.927. Mexer nesse formigueiro é a maior revolução desde que as carrocinhas de leite da família Gasparin foram aposentadas e o expresso fez do Capão Raso e vizinhança lugares não tão longe quanto se alardeava.

Devagar com o andor

O Ippuc é cheio de dedos para falar do boulevard e do metrô. Diz que se trata de um projeto, que está em estudo, que depende de uma verba graúda, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Apenas para os 12 quilômetros de metrô previstos para o Eixo Norte-Sul seriam US$ 660 milhões – US$ 50 milhões o quilômetro, valor estimado para o chamado transporte sobre trilhos de carga leve, com capacidade para 50 mil passageiros por hora, aliviando o desconforto dos atuais 20 mil passageiros por hora da linha. Como a previsão é de Curitiba e região metropolitana chegarem, juntas, a quatro milhões de habitantes em 2014, o órgão municipal entende que já bateu o gongo para iniciar o projeto do metrô. Daí topar abrir o debate.

Uma alternativa para o metrô seria a construção de trincheiras nos 62 cruzamentos da Norte-Sul. Acabaria com o pinga-pinga, mas a hipótese de cavar túneis nas esquinas encontrou pouco entusiasmo na prefeitura. Segundo o presidente do Ippuc, Luís Henrique Fragomeni, cada rebaixamento custaria US$ 2 milhões, um preço alto ao se levar em conta o desconforto dos passageiros com tanto sobe-e-desce, além da incapacidade geográfica de a linha receber um Ligeirão. "Estudos mostram que essa solução colocaria a população em risco", diz.

Quanto aos jardins, ocupariam o espaço das atuais canaletas. O projeto inclui ciclovias, passeios e circulação restrita de automóveis, nos dois sentidos, o que promete, de longe, ser a característica mais explosiva do projeto, caso ele realmente saia do papel. Falar em controle de fluxo de veículos – mesmo em prol do meio ambiente – é mexer com direitos, hábitos e medo de que o comércio vá a pique na primeira semana. "Isso é coisa para turismo, para cartão-postal. Não acredito que dê certo", desconfia João Carlos Tulio, 52 anos, dono do bar mais antigo da República Argentina, o Unidos, aberto na década de 40. Mas não tem jeito: a bandeira que quer pôr freio na frota curitibana de quase um milhão de veículos – duas pessoas por carro –, levando o povo a tomar coletivo, andar de bicicleta ou seguir a pé, só falta ser hasteada na Praça Tiradentes. Vai render discussões empolgadas – uma verdadeira proclamação da República da Curitiba de lá.

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