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Professor da Uni­ver­sidade Federal do Paraná (UFPR), o médico Edevar Da­niel está no meio de um furacão. Ele foi escolhido como tutor dos profissionais formados no exterior que atuarão no estado dentro do Mais Médicos. O programa federal sofre fortes críticas de parte da classe médica, que classifica a medida como eleitoreira e acusa o governo de impor a ação sem fazer uma discussão ampla. A classe ainda reclama da falta de um teste, como o Revalida, para avaliar a qualidade desses profissionais que estão vindo para o país. Para Daniel, na medida em que o programa for se estabelecendo, a animosidade entre governo e classe médica tende a diminuir.

"Acredito que, com o passar do tempo, tanto os profissionais médicos como as entidades vão começar a entender melhor o programa", afirma Daniel, para quem o Mais Médicos é o início da solução para o grave problema de saúde pública do país.

Parte da classe médica, incluindo o Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais, questiona o fato de os profissionais estrangeiros que estão vindo trabalhar no Brasil dentro do Mais Médicos não passarem por uma prova com a complexidade do Revalida para avaliar seus conhecimentos. Como o senhor encara essa crítica?

O programa tem uma lógica um pouco diferente do que a gente está acostumado a ver. No Mais Médicos, o importante é o atendimento que esses profissionais vão prestar para a comunidade e aí que a universidade entra no processo. Terá o papel do acompanhamento acadêmico desses profissionais, da supervisão deles e da forma como estão atendendo a comunidade, se estão preparados para atender as pessoas. O Revalida se coloca numa outra situação. Os intercambistas só podem fazer o exame após os três anos do projeto. Não podem fazer a prova num primeiro momento porque, se fizerem, podem passar a trabalhar onde quiser e deixar o programa, e então corremos o risco de perder esses profissionais nos locais onde mais se necessita.

Outra crítica que se faz ao programa é em relação ao curso de especialização em saúde da família que os médicos estrangeiros farão. Há quem diga que essa foi só uma estratégia para que esses profissionais atuem no país como intercambistas. Como funcionará o curso?

Dentro das 40 horas de trabalho previsto, os médicos ficarão 32 horas na atenção básica e oito horas serão dedicadas à parte de formação. Essas oito horas serão para o curso de especialização à distância em saúde da família que eles irão fazer. Os alunos têm de assistir às aulas e fazer relatórios da especialização.

E qual será o papel da UFPR no programa?

A universidade entra no sentido de fazer o acompanhamento e a supervisão do programa, tanto do cumprimento da carga horária, como das atividades que eles estarão desenvolvendo nas unidade de saúde, observando a qualidade do serviço que eles estão prestando e o acompanhamento do curso. Em qualquer momento que a gente verificar que algum desses médicos não esteja prestando um bom serviço para comunidade, esteja faltando na unidade de saúde, a universidade vai comunicar isso ao Ministério da Saúde e o profissional pode ser desligado do programa.

Uma emenda à Medida Provisória (MP) do Mais Médicos prevê que o Ministério da Saúde passe a conceder o registro para os profissionais estrangeiros poderem atuar. Isso não retira poder dos conselhos regionais de medicina?

Não tira o poder porque o CRM [Conselho Regional de Medicina] continuará a fiscalizar esses profissionais. Eu entendi que essa mudança na MP acabou ocorrendo pela dificuldade que o governo está encontrando para a obtenção do registro desses médicos.

Os conselhos têm colocado que os tutores serão responsabilizados pelos erros cometidos pelos médicos estrangeiros. Como o senhor encara isso, uma vez que o senhor é o tutor dos profissionais aqui no Paraná?

O Código de Ética Médica tem um artigo que diz que o erro médico não pode ser presumido. Então, não se pode responsabilizar um médico pelo erro de outro. Entendo que esse discurso do CRM foi só no clamor das discussões. Acredito que, com o passar do tempo, tanto os profissionais médicos como as entidades vão começar a entender melhor o programa, que veio para suprir a falta de médicos.

Um dos problemas da saúde pública é a falta de estrutura. Como isso será enfrentado no Mais Médicos?

O Ministério da Saúde tem um orçamento para infraestrutura das unidades de saúde. Dentro do relatório de acompanhamento que o supervisor irá fazer, existe essa avaliação. Ele vai observar se onde o médico vai prestar o atendimento tem o suporte necessário. Quando a gente verificar que há dificuldade, vamos interferir e pode acontecer do profissional até ser transferido de município.

Um aumento de atendimentos na atenção básica deverá demandar também maior necessidade por especialistas e hospitais. Essa é outra crítica da classe médica, que diz não existir essa rede. Qual sua opinião sobre isso?

É preciso melhorar a rede de especialistas, a estrutura dos hospitais. Tudo isso têm de ter porque o sistema é integrado, a pessoa tem que entrar no sistema e resolver seus problemas. Essa vai ser uma discussão que vamos ter, penso eu, de agora em diante. O Mais Médicos é um começo.

Ao que parece, houve falta de uma conversa entre governo e classe médica sobre o programa. O que dificultou um diálogo mais amplo?

Essa questão de virem profissionais de outros países para poder dar suporte nos municípios menores e a expansão das vagas nos cursos de medicina vinha sendo pensada pelo governo desde o início do ano. Penso que as manifestações de junho fizeram o governo buscar uma resposta rápida à população na questão da saúde e veio o programa Mais Médicos. Quando ele lançou o programa, já mais ou menos estruturado, por meio de uma medida provisória, colocando ali toda a situação dos profissionais, ele não discutiu isso com as entidades, com os profissionais médicos. Então houve uma reação exacerbada das entidades médicas, como vimos. E o governo, talvez, tenha entendido aquilo como uma resistência ao programa e, então, se entrou nesse conflito.

Ano que vem temos eleição presidencial. O senhor teme que o programa acabe se enfraquecendo com uma possível mudança de governo?

Eu não acredito que um outro governo vá acabar com o programa porque ele vai funcionar. O que acho é que ele pode, na verdade, até melhorar. A gente viu isso com o governo Lula. Ele não acabou com Bolsa Família, que teve a ideia inicial lá no governo FHC. Ele aumentou porque viu que tinha resultado. Claro, mudou o nome. Pode ser que isso aconteça com o Mais Médicos.

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