“Duas secretarias e dois secretários, com visões distintas, tratando de um mesmo problema, geram uma distorção muito grande"| Foto: Divulgação

Visita aponta falhas em unidades

Além da superlotação carcerária, o sistema penitenciário paranaense conta com poucas viaturas, abriga situações de desvio de função de policiais e necessita de investimento em recursos humanos, infraestrutura e tecnologia de informação.

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Apesar de o governador Beto Richa (PSDB) ter anunciado a transferência de 7 mil presos detidos em delegacias de polícia "o mais rápido possível" na última semana, o Paraná não tem capacidade para abrigar os detentos no sistema penitenciário. Na avaliação do coordenador do Mutirão Carce­­rá­­rio do Paraná pelo Conselho Nacio­­nal de Justiça (CNJ), o juiz Éder Jor­­ge, de Goiás, um dos motivos para a situação ter atingido o ponto emergencial é a divisão da administração dos presídios entre as secretarias de estado da Justiça e da Cidadania (Seju) e de Segurança Pública (Sesp). O exemplo citado por Jorge é Ponta Grossa. Enquanto o presídio abriga menos presos do que a capacidade máxima, a cadeia pública apresentava, em novembro do ano passado, quase 500 detentos para 176 vagas. O juiz admite ainda ser impossível transformar a situação atual do Paraná sem a abertura de novas vagas no sistema. A sociedade, no entanto, tem a responsabilidade de cobrar ações dos governantes. Jorge conversou com a Gazeta do Povo por telefone. Confira os principais trechos da entrevista.

O governador anunciou a retirada de 7 mil presos das delegacias o mais rápido possível, mas faltam vagas no sistema penitenciário. Qual a importância de retirar esses detentos?

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Quando estive aí e coordenei o Mu­­tirão Carcerário no Paraná, no que se refere aos presos de delegacia, a situação é uma das piores do país. A maior população carcerária nessa situação está no Paraná. A situação dos presos é caótica, crítica e requer urgência nas medidas. Não tenho dúvida de que a remoção dos presos atende a uma aspiração prevista na lei e pelo próprio governo.

O número de pessoas em delegacias do Paraná representa 29% dos 53,3 mil presos do país. Por que a situação chegou a esse ponto?

O estado priorizou a construção de alguns presídios muito bons, seguindo o modelo americano, mas não ampliou esse programa de construção de novas penitenciárias. Com isso, manteve-se uma banda boa e uma banda "podre" – a situação das delegacias é muito séria. Nas delegacias, há presos dormindo sobre outros presos, presos que ficam de pé por falta de espaço para dormir. A diferença de tratamento entre a Sesp e a Seju criou um fosso enorme entre as condições de vida e de habitação dos presos.

O problema, então, está na divisão de gestão entre as secretarias?

Não tenho dúvidas de que duas secretarias e dois secretários, com visões distintas, tratando de um mesmo problema, geram uma distorção muito grande. Com isso, vai haver recursos diferenciados para uma e para outra secretaria. Esse modelo não tem se mostrado uma boa alternativa. Enquanto os presos da Seju estão bem, os da Sesp estão mal. E é bom frisar que os servidores da Sesp não têm culpa nenhuma sobre isso. É uma questão de investimento.

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A abertura de vagas em regime semiaberto, anunciada pela Secretaria de Justiça na última semana, é um bom caminho para mudar o panorama?

Nós verificamos que um grande número de presos que já tinham direito ao semiaberto ainda estavam no fechado. Esse é, sim, um dos caminhos a serem seguidos.

Que outras medidas o senhor sugere?

É importante que as pessoas cumpram penas no semiaberto. Nos locais onde não existirem, devem cumprir em um regime que o juiz da comarca vai estabelecer. Com isso, vai abrir vagas no sistema para que outras pessoas entrem no fechado. Mas só isso não vai dar conta. Tem que necessariamente, a meu ver, criar novas vagas no sistema penitenciário.

O fato de o Paraná não ter Defensoria Pública regulamentada contribui para o inchaço das delegacias?

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Tenho o maior respeito pelos advogados que atuam voluntariamente, mas, evidentemente, não é um trabalho de esmero. Em contrapartida, uma defensoria organizada muda o diagnóstico da situação, da execução penal e dos presídios. Por si só, não resolve o problema, mas é um ingrediente que ajuda a sanear o sistema carcerário do país.