Um ditado africano compara a morte de um ancião ao incêndio de uma biblioteca. Em pequenas tribos desprovidas de livros e educação formal, a relevância do conhecimento adquirido ao longo da vida é ainda mais essencial e os membros do clã anseiam chegar a essa etapa da vida.
Já uma popular anedota norte-americana mostra um idoso refletindo: "Ninguém me disse que todos aqueles anos a mais viriam apenas no final", lamenta-se. Em uma sociedade que valoriza juventude, beleza e vigor físico, a construção social em torno da velhice costuma associar esta faixa etária a perdas, isolamento e decrepitude.
Mas uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup nos Estados Unidos entre 2010 e 2011 revela que a distância que separa o espírito africano do modo de vida ocidental não chega a ser o equivalente a um Oceano Atlântico. Após entrevistar mais de 500 mil pessoas por telefone, o instituto chegou a uma conclusão que surpreendeu até os cientistas sociais que trabalharam no processo: a terceira é a mais feliz de todas as idades.
Isso ocorre devido à tranquilidade característica dessa fase da vida. Entrevistados com mais de 60 anos declararam ter menos estresse, raiva, preocupação e tristeza. Essas emoções negativas diminuem ainda mais ao longo dos anos, ao ponto de o índice de bem-estar aos 70 empatar com o registrado aos 18 e seguir subindo pelos anos seguintes.
E isso pouco tem a ver com clubes de dança ou excursões para o litoral. A psicóloga norte-americana Laura Carstensen, diretora do Centro de Longevidade da Universidade Stanford e autora do livro A Long Bright Future (Um Futuro Longo e Brilhante, sem tradução no Brasil), aponta que a terceira idade possibilita um modo de vida menos permeável a frustrações. As pessoas tendem a viver para o momento, saber o que é importante para si e fazer investimentos seguros, tanto financeiros quanto afetivos.
A juventude, ao contrário, é a idade da experimentação. Ao arriscar, expandir horizontes e conhecer novas pessoas, a decepção e possível angústia advinda do processo é sempre um resultado possível. "Nós passamos tempo com pessoas de quem não gostamos porque talvez possa ser interessante. E sempre existe o amanhã", argumenta a autora.
Rita Khater, professora de Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e especialista em questões de maturidade, sentencia: "a sabedoria gera felicidade". A pesquisadora explica que o acúmulo de experiências torna o indivíduo mais competente para produzir a própria felicidade, ao ter uma percepção mais exata sobre o valor dos elementos presentes em seu cotidiano. "Ele interpreta a vida de uma maneira mais serenas, e faz escolhas com uma autoconfiança maior", analisa.
Estudos do Instituto Max Planck, da Alemanha, salientam que a aposentadoria cria satisfação e alívio. A sensação de dever cumprido permite desfrutar de prazeres sem culpa. "Ele passa a ter mais tempo e possibilidade de autorrealização, dedicando-se à música, pintura, filosofia ou teologia", exemplifica Cloves Amorim, professor do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e orientador do Curso da Terceira Idade da instituição.
Melhoria da renda reinventa a velhice
Os fatores de felicidade na velhice estão atrelados às boas condições econômicas e de saúde. Por causa disso, a pesquisa do Instituto Gallup feita exclusivamente com cidadãos norte-americanos corre o risco de estar distante da realidade brasileira. Entretanto, um outro estudo, este realizado pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, mostra que o Brasil caminha para ter um modelo de proteção econômica ao idoso mais justo.
Segundo esse levantamento, as transferências de renda têm elevado o padrão de vida dessa faixa etária. As pensões atreladas ao salário mínimo, por exemplo, tiveram um ganho real de mais de 100% em uma década. "Praticamente todos os idosos do Brasil têm alguma cobertura. Em uma família de baixa renda, ele deixa de ser um fardo e se torna provedor", diz o economista João Saboia, coordenador da pesquisa para o Brasil e professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como não tendem a fazer poupança, exceto em casos de comportamento arraigado, injetam esse dinheiro no consumo, seja de forma direta ou por meio de doações aos familiares.
Atividade física
O cuidado com a saúde também se tornou uma preocupação para esse grupo. "Existem mais opções de atividade física e a procura tem se intensificado", percebe Rosecler Vendruscolo, professora de Educação Física da Universidade Federal do Paraná e especialista em atividade física e envelhecimento. "São pessoas bem ativas, esclarecidas, com vontade de aprender para se manter aptas às outras atividades do dia a dia".