Os primeiros banhistas de Matinhos faziam parte de famílias de descendentes de europeus, principalmente alemães e italianos| Foto: Arquivo de João José Bigarella

Progresso caro para a história e o ambiente

Na época em que os primeiros banhistas chegaram a Matinhos, no início do século passado, o balneário contava com uma infraestrutura precária. Não havia iluminação elétrica, sistema de esgoto nem serviço telefônico. O fornecimento de água potável dependia de uma rede limitada que trazia água da Serra do Mar.

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Ah! Que saudades eu tenho...

Os passeios à praia estão entre as boas lembranças da minha infância. Se não eram comuns, aconteceram algumas vezes. Era quando famílias amigas uniam-se para um domingo inesquecível, partindo de Paranaguá rumo a Matinhos.

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Caboclos em frente a uma casa típica feita com tábuas e folha de palmeira
Pescadores exibem as tainhas capturadas em pesca de arrastão
Praia Mansa de Matinhos em 1934. Primeiras casas do balneário
Carro de boi usado no transporte de turistas entre Caiobá e Pontal do Sul

Depois de passar uma temporada em Matinhos e ter de enfrentar filas no trânsito, evitar o mar por causa da poluição e disputar espaço na areia para um banho de sol fica difícil imaginar que um dos principais destinos do litoral paranaense já foi uma praia de difícil acesso, com mata virgem, água limpa e berço de uma cultura hoje à beira da extinção. A transformação paisagística e cultural da localidade chegou junto com o "progresso" e a bagagem de banhistas e turistas que passaram a frequentar o recanto natural desde as primeiras décadas do século passado.

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A "redescoberta" de Ma­­tinhos, a partir dos anos 1920, fez uma parte da história da região se repetir nos moldes do que havia ocorrido no período da colonização portuguesa. Ao invés da presença de desbravadores lusos e de índios carijós, gês e tupi-guaranis – que chegaram a ocupar essa faixa litorânea do país –, o choque cultural ocorreu entre caboclos nativos e famílias de descendentes de europeus que desciam a Serra do Mar rumo ao litoral.

Aqueles que buscavam um local para passar as férias se deparavam com uma paisagem bucólica e aventureira, composta por trilhas nas matas e a estrutura necessária para a vida pacata e pesqueira dos habitantes da região. Resultado da miscigenação entre índios e portugueses, a cultura cabocla se manifestava por meio de casas erguidas com tábuas e folhas de palmeira, do artesanato de cestaria, do fandango, da pesca com redes e tarrafas, do cultivo da mandioca e do arroz, entre outras.

Os caboclos eram considerados um povo solidário entre si e um tanto reservado e desconfiado na presença de estranhos, conforme descreve o geólogo e pesquisador João José Bigarella em seu livro Matinho: Homem e Terra-Reminiscências..., que já está na terceira edição. Além disso, o povo caiçara era dono de uma "sabença" popular que percorria os campos da medicina rústica (com benzeduras, simpatias e remédios caseiros), do sobrenatural (com lendas de lobisomem e boitatá e crendices para espantar mau-olhado e bruxas) e da religião (manifestada principalmente por meio das festas do Divino, de São Gonçalo e da Folia de Reis).

Já os nativos observavam os hábitos e costumes daqueles que apelidaram inicialmente de "bichos da goiaba". Eram descendentes de europeus, principalmente alemães e italianos, que chegavam ao litoral em carroças e carros de boi depois de percorrer uma longa viagem. Entre os primeiros banhistas estavam o então governador Affonso Alves de Camargo, o secretário da Fazenda João Rabello, Wenceslau Glaser, Júlio Hoffmann, Ivo Leão e a família Bigarella.

Na bagagem dos turistas estavam maiôs de saiote, guarda-sóis coloridos, petecas, bolas de vôlei, tamancos, chapéus e agasalhos. Sim, agasalhos. Diferentemente do que acontece hoje, era no inverno que as famílias curtiam a temporada. Não era a água gelada que atraía os banhistas. O motivo dessa inversão sazonal era a malária. Segundo Bigarella, sem uma política sanitária para combater o mosquito transmissor da doença, as pessoas evitavam ir para a região na época em que havia maior proliferação do inseto. Foi só em 1941 que seria desencadeada a primeira ação de combate à doença e eliminação de focos do mosquito.

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Com a chegada dos banhistas de pele clara – que logo ficava avermelhada – não tardou para que as casas dos caboclos fossem ladeadas pelas primeiras casas de veraneio. Bigarella relata que teriam sido Carlos Ross e Augusto Blitzkow que construíram as primeiras casas em Matinhos e Caiobá, respectivamente, por volta de 1926. Dez anos depois, já havia 68 residências em Matinhos. Aqueles que não tinham casa na praia se hospedavam em hotéis, construídos no começo dos anos 30. O mais famoso era o Grande Hotel Caiobá, de Augusto Heeren.

Não demorou muito para que a barreira entre caboclos e banhistas fosse quebrada. As serestas que aconteciam nos hotéis e reuniam nativos e veranistas em rodas de música e dança ajudaram nesse processo. Logo, o comércio e o turismo foram alavancados e aqueles que moravam na região começaram a se adaptar para atender à demanda dos banhistas. Até mesmo a atividade pesqueira teve de ser aprimorada às novas exigências da época. "Com o desenvolvimento, os caboclos foram absorvidos. Eles tiveram mais fonte de renda. Traziam banana, mamão, aipim, peixes para os banhistas", conta Bigarella. Com a urbanização dos balneários e a chegada do "progresso" no litoral, a cultura caiçara foi desaparecendo e, hoje, encontra-se à beira de extinção.

Bigarella defende que a memória folclórica da região seja resgatada e difundida para que não seja esquecida. "A cultura caiçara evoluiu. Não podemos querer o caboclo como uma peça de museu", considera o pesquisador. Contudo, ele diz que é preciso uma iniciativa do poder público para manter as tradições como eram originalmente e usá-las como atrativo turístico para a região.