Haitianos procuram informações sobre o CPF no Mural do Hotel Brasileia onde estão hospedados. Com o documento fica mais fácil conseguir emprego| Foto: Michel Filho/Agência O Globo

Diplomacia

Dilma vai visitar o Haiti no dia 1º

A presidente Dilma Rousseff se prepara para visitar o Haiti no próximo dia 1º. Em conversa com o presidente haitiano, Michel Martelly, Dilma comentou sobre seu desejo de ir a Porto Príncipe, capital do país. Na visita, a presidente pretende intensificar a cooperação brasileira, ampliando as parcerias nas áreas de saúde em conjunto com Cuba, agricultura, capacitação profissional e o apoio à construção da usina hidrelétrica sobre o Rio Artibonite, no Sul do país. Assessores de Dilma, que preparam a viagem, disseram que a visita será emblemática, pois ocorre no momento em que o Haiti – o país mais pobre das Américas – enfrenta ainda dificuldades de reconstrução causadas pelo terremoto de 12 de janeiro de 2010, quando morreram mais de 220 mil pessoas, e o agravamento da epidemia de cólera.

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O sucesso de um traz esperança aos demais

Anoitece em Brasileia e centenas de haitianos se espalham na Praça Hugo Poli, uma das principais da cidade, em animados grupos. Uns ocupam a quadra, outros arriscam manobras na pista de skate, vários conversam sentados em bancos. Em minutos, o burburinho dá lugar a sorrisos e longos abraços. É a chegada de três mulheres, que acabam de descer de um táxi puxando malas de rodinhas. Uma delas é Rosina François, 27 anos; sua história se encaixa como uma luva no sonho haitiano de morar no Brasil, ganhar um bom salário e, aos poucos, trazer a família.

Rosina é mulher de Domi­­nique Desne, 34 anos, que chegou ao país em novembro, pela fronteira do Acre, assim como centenas de outros haitianos. Hoje, vive em Sorocaba, no interior de São Paulo. Funcionário de uma empresa de construção civil, ele trabalha como pedreiro, é registrado e mora num alojamento da firma no município vizinho de Votorantim. O salário é de R$ 1.100 por mês. Com horas extras, chega a R$ 1.700, suficiente para alugar uma casa para a família que, em breve, estará de novo reunida. Os próximos a chegar são os três filhos do casal, Loumensa, de 7 anos, Donalason, de 4, e Chenala, de 9. "Vim porque vi que quem tinha vindo havia conseguido emprego para trabalhar", diz Dominique.

A notícia de um sucesso, como o de Dominique, ou recados da família que ficou no Haiti de que um ou outro já está estudando ou bem empregado alimenta a esperança de quem está em Brasileia. Fresner Jeune, de 29 anos já possui CPF e visto temporário, mas diz não ter dinheiro para seguir viagem. E tem muito medo de ficar na rua numa cidade grande. O que faria numa cidade de 11 milhões de pessoas como São Paulo? Quem o ajudaria? Assim como Jeune, centenas de haitianos perambulam pelas ruas de Brasileia. O visto humanitário dado pelo governo, por enquanto, termina ali.

O sonho haitiano de trabalhar no Brasil e ganhar salários de até R$ 4 mil começa numa agência de viagens da República Domi­­nicana, com a qual todos fecharam negócio, mas de cujo nome nenhum diz se lembrar. É lá que são vendidos os pacotes de imigração ilegal, a preços que vão de US$ 1 mil a US$ 2.600. O roteiro é conhecido: Re­­pública Dominicana, Panamá e Lima. A partir da capital peruana, o trajeto é feito de ônibus, passando por Puerto Mal­­donado, até Iñapari, última cidade antes da fronteira com Assis Brasil, porta de entrada oficial ao território brasileiro pela rodovia Inte­­roceânica, que liga o Brasil ao Oceano Pacífico, num trajeto de 1.700 km.

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O Brasil dos sonhos dos haitianos não tem crise econômica, é carente de mão de obra e, de quebra, ainda há Ronaldo Fenômeno, ídolo dos jovens haitianos. Mas, em Iñapari, o sonho acaba: o trabalho da agência termina ali, a 113 quilômetros de Brasileia. O percurso pode ser feito de carro ou táxi em uma hora e meia. A diferença entre sonho e pesadelo é saber se a Polícia Federal brasi­­leira permitirá a entrada sem o visto obrigatório, que deveria ter sido emitido no Haiti. Desde o Natal, a fronteira está liberada.

Quem chegou antes, entre novembro e dezembro, foi vítima de boatos de que a passagem sem visto estava impedida e caiu nas mãos de coiotes. Dois irmãos peruanos cobrariam US$ 50 para levar até a fronteira com a Bo­­lívia, e outros US$ 50 para cruzar com os haitianos dentro da mata, numa ca­­minhada de duas horas. Há quem diga que, para simular dificuldade, a dupla fazia os haitianos andarem em ziguezague. Na fronteira da Bolívia, houve quem co­­brasse pedágio para evitar que fossem presos. Mais US$ 50. Os que não tinham dinheiro deixaram malas e objetos de va­­lor.

Violência

A pé, carregando malas no meio do mato, haitianos contam ter sido também roubados e mulheres, estupradas. Houve até notícias não confirmadas de haitianos mortos no caminho.

Luciene Chachou, de 24 anos, e Joseph Christine, de 37, vivem o pe­­sadelo. Cada uma pagou US$ 1 mil para vir. Ao chegarem em Iñapari, em dezembro, souberam que a fronteira estava fechada e aceitaram o trabalho dos coiotes. Na mata, diz Luciene, as duas foram agredidas e tiveram seus pertences arrancados. Após o susto, chegaram a Brasileia sem saber por onde começar e foram acolhidas por uma haitiana, que alugara uma casa, enquanto esperava pelo visto. Mas, na semana passada, a mulher foi embora.

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"Estamos na rua, não sabemos onde ficar", diz Joseph Christine, que só fala crioulo, sentada na pra­­ça ao lado da amiga e compa­­nheira de viagem. Com a ajuda de um intérprete, ela conta que não gosta da comida oferecida pelo governo do Acre; acha as con­­dições em Bra­­sileia muito ruins e está de­­cepcio­­nada, porque a agência que vendeu "o pacote" disse a ela que, logo ao chegar, co­­meçaria a trabalhar. Há co­­zi­­nheiros, padeiros, pedreiros e profissionais de todo o tipo entre os haitianos na praça de Brasileia.

O problema é que eles não têm como sair dali. Além da espera pelo visto humanitário, que de­­mora até 45 dias, agora há o me­­do. No ano passado, grupos de haitianos receberam passagem do governo do Acre para ir até Porto Velho, em Rondônia, onde encontraram trabalho, principalmente ligados à construção de três hidrelétricas. Lá, muitos esperam ganhar dinheiro e seguir para o sonho maior: São Paulo.