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semana santa

A via-sacra de uma companhia de teatro popular

Ensaio do Grupo Lanteri, na quarta-feira (1.º). Esforço para manter o ânimo diante das dificuldades e da redução do público que assistirá ao espetáculo. | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Ensaio do Grupo Lanteri, na quarta-feira (1.º). Esforço para manter o ânimo diante das dificuldades e da redução do público que assistirá ao espetáculo. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

O Grupo Lanteri sabia que 2015 seria de penúria, antes mesmo da drástica redução de público autorizada a entrar na Pedreira Paulo Leminski. A crise econômica está a olhos vistos e os editais da Fundação Cultural de Curitiba saíram apenas no início do ano. Como não existe coelhinho da Páscoa, restou à trupe arejar o barracão que aluga na CIC e tirar a poeira dos adornos e das fantasias antigas – o acervo ultrapassa 1,2 mil itens. “Fora de cogitação criar uma cena nova, com cenário e figurino. O Júlio me mataria”, diz Aparecido Massi – o eterno Cristo da Paixão do Lanteri, a respeito de Júlio César Miranda do Rosário, com quem divide a direção da companhia.

Quem teve a sorte de conseguir uma das 2 mil pulseirinhas para entrar hoje (3) na Pedreira, verá uma Paixão de Cristo enxuta, com cenários minimalistas e luz intimista, no melhor do estilo “menos é mais”. A opção de Aparecido Massi foi por massas de figurantes, ganhando plasticidade com a aglomeração de gente, matéria-prima farta no Lanteri. Mesmo com a criatividade imperando por sobre o cinto apertado, os dirigentes não escondem o cansaço. Júlio César admite que já pensou em desistir. Massi diz que não, antes daria uma marcha à ré e levaria a apresentação, de novo, para uma praça qualquer, como era nos seus inícios, no final dos anos 1970.

Embora 2015 mereça o título de “a mais difícil de todas as paixões”, a turma do Lanteri coleciona vias-sacras cheias de quedas e chibatadas. Tanto é que a diretoria conta nos dedos os momentos de tranquilidade que viveu. Em meados dos anos 1980, o então prefeito Roberto Requião planejou a apresentação seis meses antes, uma proeza sem precedentes. Nos anos 1990, com Rafael Greca na prefeitura, o grupo ganhou status de companhia do rei. E justiça seja feita, dizem, Jaime Lerner acreditava no potencial do projeto, por razões práticas: o grupo nascido na Paróquia São Paulo Apóstolo, no Uberaba, testou a Pedreira para grandes shows. Serviu de laboratório para marcos como o show do tenor José Carreras, em 1993.

O Lanteri padeceu um pouco a cada gestão e tem algo a dizer sobre todos os prefeitos que passaram pelo Palácio 29 de Março nos últimos 40 anos. Poucos grupos possuem tal panorâmica. “No discurso, todos amam o Lanteri. Na prática isso não se reflete”, comenta um dos veteranos, referindo-se à maior das tormentas: a dúvida metódica da prefeitura em assumir a Paixão de Cristo como uma marca da cidade, capaz de atrair gente da região metropolitana e do interior do estado. O impasse deste ano é prova disso.

A administração municipal teria reservado junto à concessionária RD7 o direito a eventos tradicionais da cidade, pondo alguns limites à exploração comercial da Pedreira. A Paixão entre eles. Mas o fez com a mão frouxa, como se tivesse pedindo emprestado, vez em quando, a casa que alugou. Quando o Ministério Público endureceu, fazendo cumprir as regras da concessão, não havia o que reclamar. “Ninguém esperava a proibição, foi uma surpresa”, diz um funcionário da prefeitura que prefere não ser identificado.

Reação

Nos bastidores do Lanteri, não é de hoje, a decisão é romper com a mendicância. Os dirigentes cansaram da montagem feita na base da caridade de um-dois vereadores e dos próprios voluntários. Ano passado, aprovou um projeto para bancar a montagem via Lei Rouanet, mas não venceu a mais difícil das etapas – captar verba, via um investidor disposto a fazer renúncia fiscal. “Alguém quer nos patrocinar? Estamos em busca”, anuncia um divertido Júlio César Miranda do Rosário.

Júlio, Edson Martins e Aparecido Massi se conheceram na década de 1970, na Vila São Paulo – espécie de ilha de prosperidade em meio ao imenso Uberaba. As apresentações nasceram paroquianas, com o apoio dos religiosos da congregação católica Oblatos de Maria Virgem, na qual Massi era seminarista. “Ele trazia as vacas do seminário para pastar atrás da minha casa. Ficamos amigos”, lembra Júlio. É engraçado que um dos maiores grupos brasileiros de teatro religioso popular tenha surgido sem sonhar nada mais que uma bela encenação na praça da matriz, aplaudida pelos colegas do grupo de adolescente e pelas senhorinhas do Apostolado da Oração.

O trio não esconde que têm diferenças. Briga, mas não verga. É como vê-los dizendo que as adversidades são amenizadas pela empolgação das pessoas que chegam para os ensaios – em geral jovens adultos, atrás de uma experiência genuína. Temendo decepcioná-los, seguem em frente. “Além do mais, tanto tempo depois eu ainda me emociono com a montagem da Paixão de Cristo”, pontua Júlio César. “Nosso laço é muito forte”.

Todos os anos ele é provado na própria Sexta-Feira Santa. Findada a apresentação, desmonta-se o palco e leva-se tudo para o barracão da CIC. Lá, os 50 membros mais antigos e chegados tomam um lanche e descontraem comentando o que aconteceu de engraçado no palco. Se faltar assunto, recorrem às edições anteriores. “Teve um ano em que um figurante entrou clandestino na Santa Ceia. Em vez de 12 apóstolos, foram 13”, ilustra o engenheiro Aclélio Rocha, 43 anos, desde os 7 no Lanteri. O ano em que a companhia viu 2 mil pessoas sumirem na imensidão da Pedreira vai fazer parte dessas recordações – mesmo não sendo nada divertida.

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