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Demografia

A viagem sem volta a 2020

Abel Braga faz várias mudanças no Internacional | Albari Rosa / Gazeta do Povo
Abel Braga faz várias mudanças no Internacional (Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo)

Os municípios de Piraquara e Fazenda Rio Grande – dois dos 26 que formam a região metropolitana de Curitiba – têm pouca coisa em comum. Piraquara faz parte do Paraná Tradicional, tem 100% de área preservada. Sua condição de zona de mananciais e de reserva de Mata Atlântica não lhe permite sonhar com indústrias e fortuna. Já a Fazenda é uma adolescente – tem 17 anos de fundação e a vida inteira pela frente. Como sofre poucas restrições ambientais, está de braços abertos para abrigar empresas de todos os tipos.

Tão diferentes entre si, embora a míseros 55 quilômetros uma da outra, Fazenda Rio Grande e Piraquara se viram, há uma semana, igualadas pelas estatísticas. Pesquisa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, o Ipardes, indica que até 2020 as duas cidades da região metropolitana vão crescer mais de 400%. Com folga, é o desempenho mais avantajado em toda a RMC. Por essa conta, em 13 anos Piraquara salta de minguados 72 mil habitantes para 372 mil. Fazenda Rio Grande pula de 62 mil habitantes para 356 mil – conforme reportagem publicada pela Gazeta do Povo no início da semana passada.

É simples calcular esse resultado. Basta somar as taxas de crescimento anual de cada município e multiplicá-las pelo número de anos que se deseja saber. A questão é que essas contas não são infalíveis. Qualquer cidade tem poder para reverter a tirania das estatísticas. Exemplos não faltam. Curitiba, por exemplo, crescia em torno de 3% ao ano na década de 80 e tende a baixar para 2,11% em 2020. Bom para ela? Provavelmente sim. A capital anda ocupada o bastante com seu 1 milhão de carros para ter de pensar em aumento de população.

Quanto às vizinhas afogadas em números, nenhuma das duas se sentiu absolutamente confortável com as notícias vindas do Ipardes. Em Piraquara – de onde sai 50% da água que abastece Curitiba – o sentimento é de que crescendo com todo esse fermento não há manancial que resista. O ideal, diz o secretário municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo, Gilmar Clavisso, seria ficar estacionado nos 103 mil habitantes atuais. E ponto final. Na Fazenda Rio Grande, onde o anúncio do espetáculo do crescimento causou comichão, o único medo é de que os novos fazendenses cheguem e não haja estrutura boa o bastante para recebê-los, afundando o município numa escala federal de problemas.

Para o geógrafo Francisco Mendonça, professor da Universidade Federal do Paraná e coordenador de programas de pós-graduação no setor de Geografia e Meio Ambiente, o temor de piraquarenses e fazendenses é mais do que legítimo. Afinal, é provável que aconteça exatamente o que se teme. Piraquara, por exemplo, é o que Mendonça chama de "uma indutora de ocupações" – já que o município está na beira do anel viário que liga Curitiba a São Paulo e ao Rio Grande do Sul – bem no olho do furacão. "Quanto mais uma região dispõe de infra-estrutura para crescer, maior é o risco de ter alterado seu quadro natural. Mesmo que o poder público iniba o crescimento, permanecem os apelos econômicos", diz.

Raciocínio semelhante o pesquisador aplica à Fazenda Rio Grande – a cidade que quer ser grande, mas não tem aeroportos próximos, nem estradas boas o bastante para atrair riquezas. Sem um plano de emergência, pode ser que ocorra ali um fenômeno que aterrotiza metade do planeta – o do crescimento sem desenvolvimento. "Chegamos a esse estágio porque há 30 anos os planejadores entenderam que a região metropolitana deveria crescer para Oeste, na região de Campo Largo, mas isso não aconteceu. A lógica econômica se opôs à lógica ambiental. Deu no que deu", comenta Francisco.

A lista de encrencas metropolitanas passa pelo provável encarecimento da água – já que com o avanço populacional em Piraquara vai ser preciso captá-la cada vez mais longe – e pela incapacidade crônica dos municípios da região de trabalharem juntos. "À revelia do que se diz, enfrentamos aqui todos os problemas típicos das sociedade terceiro-mundistas, emergentes e desorganizadas do Sul", ilustra Mendonça. Soluções? Uma delas seria o surgimento de uma figura deliberativa na RMC. Hoje, a Coordenação da Região Metropolitana, a Comec, tem função consultiva, o que gera um deus-nos-acuda numa área que beira seus 3 milhões de habitantes.

Por ora, a ação intermunicipal se resume à rede integrada de transporte coletivo e ao Aterro Sanitário da Caximba. Para quem acha que é pouco e que o trem já descarrilou, Mendonça aconselha identificar exemplos positivos. E eles existem – fora do Brasil. Há bons modelos de integração em grandes conurbações urbanas nos Estados Unidos, e na França. E cidades que estão driblando os males da superpopulação em países como Colômbia, Equador e Argentina. Curitiba e região bem poderiam se habilitar a essa lista.

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