O Brasil forma, anualmente, um exército de crianças e jovens que freqüentam diariamente a escola, fazem tarefas, estudam, respondem questionários e terminam o ano praticamente como começaram: sem avanços. "O ensino básico brasileiro está fracassando", aponta, sem rodeios, a educadora Tania Zagury, autora de 13 livros na área. A afirmação tem como base dados do próprio Ministério da Educação. Segundo uma avaliação feita pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2003, ao final da 4.ª série do ensino fundamental, mais da metade dos alunos mal sabem ler e fazer cálculos básicos (55,4% de resultados críticos ou muito críticos em Matemática e 51,6% em Português).
"Algo está errado", afirma Tania, "e não são apenas especialistas que vão resolver". Trinta e seis anos de experiência com magistério e mais de uma década escrevendo livros sobre educação deram a ela a certeza de que, para que a situação do ensino básico no Brasil mude, é preciso dar mais voz aos professores. O caminho para esta conversa ela mostra no seu mais novo livro: "O Professor Refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil". Foram três anos de pesquisa, ouvindo 1.172 professores da 1.ª série do ensino fundamental até o 3.º ano do ensino médio. Os questionários percorreram 42 cidades, em 22 estados. "Falta ouvir os professores. Não só deixá-los falar, como colocar em prática as mudanças que eles sugerem. É preciso mais treinamento e cuidado nas mudanças de metodologia. A educação deve ser encarada como uma ciência, com testes por amostragem antes de implantação de novas políticas", afirma a educadora, que esteve esta semana em Curitiba para o lançamento do livro e uma palestra no Teatro da Caixa.
Os professores reclamam voz mais ativa nas políticas de educação?
É uma das grandes queixas. O professor é apenas o executor de uma série de medidas ou propostas de diretores de escolas, secretários de estado e ministros. Hoje em dia, em qualquer área de trabalho, sabe-se que para obter bons resultados é preciso que haja adesão do profissional às idéias e ao projeto que ele está executando. Uma das principais causas do fracasso da educação é o fato de que o professor muitas vezes tem de executar propostas e incluir na sua rotina metodologias e técnicas com as quais ele não está familiarizado, bem treinado ou com as quais não concorda.
Quais são as maiores dificuldades apontadas pelos professores?
No questionário, a primeira pergunta que eu fiz é quais são os problemas mais graves enfrentados hoje em dia em sala de aula. (veja quadro). Em primeiro lugar, ficou manter a disciplina; em segundo, motivar o aluno; depois vieram fazer a avaliação dentro dos moldes modernos (avaliar vários aspectos, não dar só prova), manter-se constantemente atualizado e escolher a metodologia mais adequada a cada aula. As duas primeiras referem-se à situação em que ele recebe os alunos. As outras três remetem a ele próprio, demonstra uma consciência de seus limites.
O quadro é diferente entre as escolas públicas e particulares?
Em relação às dificuldades em sala de aula, praticamente não há diferença. O que muda é a forma como a indisciplina se manifesta. Na escola particular, a pressão mais comum sobre o professor é de poder econômico. Por exemplo: "Você sabe quem é meu pai?", "meu pai que paga seu salário, você não pode falar assim comigo" e até casos de alunos dizendo para o professor que vai dar um jeito dele ser despedido. Na escola pública isso se manifesta de outra forma, são ameaças mais ligadas à força bruta, ao intimidamento pela violência.
É muito comum o comentário de que antigamente tudo era diferente, o professor era uma figura respeitada. O que mudou: os valores familiares ou a própria escola?
No mundo inteiro, a profissão de professor era muito mais respeitada décadas atrás, embora nunca tenha sido valorizada do ponto de vista do status financeiro. Uma parte da mudança está em um fenômeno mundial dos anos 60 e 70, em que todas as várias áreas do comportamento se encaminharam para uma busca de maior liberdade, veracidade, auto-determinação. Até então, a escola era uma obrigação do jovem, da criança. Priorizava-se as obrigações, regras, etiquetas e o respeito aos mais velhos. A partir deste movimento, o respeito passou a ser questionado. Foi um progresso, uma tentativa de democratizar as relações. Mas houve um exagero, perdeu-se o limite. Na família, os pais perderam a autoridade e isso acabou sobrecarregando a escola. Antes, a criança, em geral, chegava na escola socializada. Agora não, o professor tem que ensinar a criança a ouvir o outro, a pensar, a prestar atenção. Ao mesmo tempo, a escola também sofreu um processo de mudança. Hoje, dentro da própria escola, especialistas colocam como muito importante que o aluno possa ser atendido em suas necessidades, seus interesses. Isso é muito bom. O problema é que ao professor brasileiro não se deu ainda condições de colocar em prática essas coisas.
O que fazer para melhorar a educação no Brasil?
Na realidade, para melhorar, é só colocar em prática a Lei de Diretrizes e Bases que está para completar dez anos. Não se aplicou praticamente nenhuma das metas, que eram ter todos os professores com nível superior, todas as escolas com horário integral, a carreira do professor ter sido dignificada salarialmente, para ele poder trabalhar menos horas-aulas e também ter dinheiro para se aperfeiçoar. É preciso desvincular a educação da política partidária. Enquanto a educação for encarada como uma coisa que as pessoas só se lembram na hora de pedir votos, os professores vão continuar reféns.