Curitibanos em meio à Batalha da Carne
Durante a década de 1950, o Matadouro Modelo, com todos os percalços, conviveu com a chamada Batalha da Carne. O momento pós-Segunda Guerra Mundial fez com que a falta de carne fosse uma realidade em grande parte do Brasil. O mercado especulava preços em torno do produto, já que os custos de importação tornavam-se mais elevados.
O professor Fernando Schinimann, das Faculdades Integradas Espírita, explica que não havia problemas com a falta do produto na capital paranaense. Mas seu valor era tão, tão alto, que donas de casa curitibanas promoverem uma extensa greve contra o consumo da carne. "O ápice desse movimento foi em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas, e ele logo se espalhou por outras cidades de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul", conta o historiador, que foi o primeiro pesquisador do Paraná a se dedicar ao tema. O assunto foi tratado na dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1992.
Greve branca
A chamada "greve branca" provocou um furdúncio: quebra-quebra pelas ruas da capital paranaense, com direito a armas de guerrilha, como coquetel molotov. "As pessoas pararam de consumir carne e optaram por ovos e verduras. Parte da população se revoltou com o preço e a falta de higiene do produto", salienta Schinimann.
Segundo ele, até hoje esse problema é recorrente. "O preço é alto, a higiene, duvidosa. Assim, as pessoas nem sempre consomem carne", comenta.
Em livro
Em parceria com a historiadora Elizabete Amorin de Castro e a antropóloga Zulmara Posse, o arquiteto Humberto Mezzadri escreveu o livro Paisagem Fabril: Matte Leão e Matadouro Modelo, pela Fundação Cultural de Curitiba, publicado no ano passado.
Quando o abate de animais nos fundos dos açougues de Curitiba agravou-se para um problema sanitário, na década de 20, autoridades públicas foram obrigadas a tomar alguma atitude. Embora desde 1889 já existisse o abatedouro do Guabirotuba, o deslocamento das carnes, aliada à crise na produção do gado, tornavam-se grande empecilhos. Muitos açougueiros preferiam ter rebanhos por perto para garantir o abate e o lucro.
O prefeito municipal, Eurides Cunha, decidiu agir. Em 1928, abriu concorrência pública para a construção de um matadouro modelo em Curitiba. Já em junho daquele ano, Adherbal Fontes Cardoso e o engenheiro Afonso Moreira deram início ao empreendimento que prometia revolucionar o abate e distribuição de carnes na cidade.
O objetivo do novo espaço era ser o contraponto do que existia até então. O do Guabirotuba não possuía infraestrutura e nem condições de higiene adequadas. Tudo o que o Matadouro Modelo, teoricamente, tinha de sobra.
Novidades
Para isso, segundo o pesquisador e arquiteto Humberto Mezzadri, equipamentos vieram importados da Europa e Estados Unidos. A novidade era a existência de uma câmera fria que possibilitava o correto resfriamento e congelamento da carne. No dia 25 de julho de 1929, o Matadouro Modelo foi inaugurado, com um conjunto de dez edifícios, em que apenas homens eram admitidos como funcionários.
"Pela primeira vez os diversos subprodutos do gado eram processados em um mesmo lugar, num encadeamento de ações, numa produção racionalizada e mecanizada", relata Mezzadri. Até carne enlatada foi vendida pelo matadouro. O espaço, atualmente utilizado pela Copel na Estrada da Graciosa, tinha capacidade para abater 500 bois e 500 porcos por dia. Lá, também se produziam salames, presuntos e outros derivados de carne.
Mas a distância até o centro não conseguiu impedir que abatedouros clandestinos continuassem existindo. "As pessoas também não tinham hábito de consumir alguns dos produtos, como carne enlatada", conta o pesquisador.
No momento em que estourou a Revolução de 30, em outubro, e Getúlio Vargas assumiu o "governo provisório" do país por 15 anos, o interventor no Paraná passou a ser Manuel Ribas. Ele ocupou o matadouro até a reativação e readequação do espaço no Guabirotuba.
O Matadouro Modelo já estava virando parte do passado quando, em 1947, voltou à atividade. Com investimento de 5,5 milhões de cruzeiros, o espaço passou por melhorias estruturais. Houve disputas entre empresários que pretendiam administrar o local, o que culminou, de novo, com o fechamento do espaço. Em meio a disputas pelo poder do matadouro na década de 1960, a tecnologia ficou defasada e as condições sanitárias tornaram-se precárias. A solução foi abandonar a ideia, que, entre idas e vindas, conseguiu sobreviver por quase três décadas.
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