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Curitiba – A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai completar 8 anos no dia 8 de dezembro. Será que o cidadão brasileiro conhece o órgão de Estado? Talvez não, até porque atuar em sigilo é fundamental nesta atividade, explica Joanisval Brito Gonçalves, 33 anos, consultor legislativo para a Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional. Graduado em Relações Internacionais e em Direito, ele é um dos poucos especialistas em inteligência de Estado no país. Gonçalves é mestre em História das Relações Internacionais, doutorando na área e professor universitário.

Nesta entrevista, ele fala sobre a função da Abin e seus desafios. Segundo Gonçalves, a agência trabalha com orçamento muito pequeno e tem um quadro de pessoal deficitário porque muitos servidores deixam a Abin para fazer carreira em outros órgãos que ofereçam salários melhores. Com a missão de tentar mudar este quadro, Paulo Lacerda, que comandava a Polícia Federal desde 2003, foi nomeado recentemente diretor- geral da Abin.

Qual é a função de um órgão de inteligência de Estado?É um ponto pacífico que qualquer Estado não pode existir sem um serviço de inteligência. Ele tem algumas funções básicas. A primeira é levantar informações para assessorar o presidente da República nos processos decisórios. A importância do serviço de inteligência consiste em atuar na busca do que chamamos de dado negado (informações sigilosas), além das informações que estão disponíveis. A partir daí, o órgão alimenta a autoridade com estes dados que são relevantes para a segurança nacional. A outra grande função do serviço de inteligência diz respeito à proteção. Porque enquanto nós estamos falando aqui, os serviços de inteligência estão operando no mundo. Por isso é fundamental que se tenha um serviço para fazer a contra-inteligência. Hoje, se nós elencarmos as maiores democracias do mundo, todas têm serviço de inteligência.

E a população consegue ver os resultados deste trabalho?Em geral, a população tem noção do que é o serviço de inteligência, mas não tem muito conhecimento de como ele age. Isso acaba sendo muito lógico porque a premissa do serviço de inteligência é que ele atue em sigilo. Geralmente só se tem notícias do serviço de inteligência quando há falhas. Em democracias onde a questão da segurança nacional é muito forte – por exemplo, Israel, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos – o valor que a população dá aos serviços de inteligência é muito alto porque se percebe que a atividade é fundamental para a segurança nacional. Já no Brasil não se tem grande percepção disso.

Os brasileiros ainda relacionam o trabalho da Abin com o do Serviço Nacional de Informações, que atuava durante o período da ditadura militar?Há uma grande confusão. Em 1964 foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), que foi extinto em 1990 no governo Collor (Fernando Collor de Mello). Na época houve uma desarticulação muito grande da comunidade de inteligência. Os primeiros anos da década de 90 foram muito inexpressivos do ponto de vista da atividade de inteligência, que ficou relegada a segundo plano. Em meados daquela década, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, se percebeu a necessidade de ter um serviço de inteligência e então surgiu a proposta de criação da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Em 8 de dezembro de 1999 ela começou a atuar. O serviço tem sido renovado, ainda há pessoas daquele período do SNI, mas é um grupo que já está praticamente extinto. Com as realizações de concursos, muita gente está entrando e está sendo promovida uma renovação. É claro que ainda há conflitos, mas eu acho que o maior problema do serviço é a falta de valorização. O que tende a mudar com o novo diretor geral, que é o Paulo Lacerda. Ele é importante porque deve promover uma reengenharia do serviço.

Com que orçamento a Abin trabalha?Eu não tenho o valor preciso, mas o orçamento é muito restritivo. É necessário investir na capacitação de pessoal, em mais quadros.

O número de agentes estaria próximo de 1.500?Não chega a tudo isso. Precisa de um plano de carreira que valorize o profissional. O grau de evasão é muito grande. As pessoas vão, passam por um curso de formação e depois de dois ou três anos saem porque são muito capacitados e têm condições de aprovação em outros concursos. Também precisa um salário mais adequado ao tipo de trabalho que é feito.

Qual é o salário hoje?Está na faixa de R$ 3,8 mil. Pode parecer alto, mas dentro das carreiras do serviço público é, hoje, um dos mais baixos e o nível de exigência e responsabilidade é muito grande. É preciso ter curso superior e a prova a que os candidatos são submetidos não é uma prova simples, é preciso dominar uma língua estrangeira.

A existência de fóruns de agentes e ex-agentes na internet, divulgada pela imprensa, que fazem críticas à forma de atuação da agência e ao ex-diretor Márcio Paulo Buzanelli, é um indicativo de que a Abin passa por um momento delicado?Alguns grupos dentro da Abin alimentam uma certa ojeriza a tudo que se refere ao período do SNI e o Buzanelli, por ser oriundo daquele período, enfrentava rejeição por parte de algumas pessoas lá dentro. Mas ele teve um papel importante no sentido de começar a mostrar a cara da Abin. Por exemplo, a revista em quadrinhos que ele criou (criticada pelos agentes nos fóruns na internet) foi um investimento num projeto voltado a levar um pouco de informação sobre a atividade de inteligência a crianças e adolescentes. Mostrar que existe um serviço, que ele tem um papel relevante e mostrar um pouco mais a cara da Abin. O que é preciso entender é que, as pessoas gostem ou não, esta é uma atividade que tem de ser feita de forma sigilosa. E aí é uma discussão que ocorre no mundo todo: o dilema entre sigilo e transparência quando se fala em segurança. Mas há setores da administração em que a transparência deve ficar limitada a determinados órgãos de controle. Aí é que entra a importância do controle da atividade de inteligência. O que vai evitar a arbitrariedade, os desvios? Justamente o controle que se faz de várias maneiras. Há o controle interno, dentro do Executivo, o controle judicial, aquele feito pela opinião pública e pela imprensa e o que é feito pelo Poder Legislativo.

Aqui entra o trabalho da Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência do Congresso Nacional.Exatamente. Ela está prevista na lei que criou a Abin. É composta pelos líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados e do Senado e pelos presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e do Senado. Então, são seis pessoas.

Que avaliação se pode fazer do serviço de inteligência do Brasil em relação aos países vizinhos?Nós temos um histórico muito parecido. Os serviços de inteligência atuaram a favor de regimes autoritários e passaram recentemente ou têm passado por alterações. O Brasil é um modelo porque já deu passos significativos. É claro que a gente ainda tem muito a fazer. Primeiro, ampliar o investimento em inteligência. E a legislação da Abin também precisa ser alterada para indicar exatamente como ela deve atuar.

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