A defesa feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), da possibilidade de interrupção da gravidez até a 12.ª semana de gestação apenas com o consentimento da mulher, divide os médicos. Para o ginecologista e obstetra paranaense José Marcos, que atua na área há 40 anos, o problema é a falta de informações sobre os métodos anticoncepcionais. Já o obstetra Jefferson Drezett, da Sociedade Brasileira de Progresso para a Ciência, que faz abortos de casos não punidos pela lei, afirma que a decisão do CFM respeita os direitos humanos da mulher. Confira o que pensam os dois especialistas sobre o tema:
EntrevistaO trauma do aborto a mulher carrega a vida inteira
José Marcos, ginecologista e obstetra
O que o senhor achou da posição do CFM?
Atualmente é injustificável fazer o aborto. Com tantos meios de anticoncepção, não há justificativa. O IML, por exemplo, fornece de graça as pílulas do dia seguinte no caso de mulheres que foram estupradas. A menina que é estuprada e procura o órgão competente para fazer exame de corpo de delito recebe a pílula sem pagar nada. Os postos de saúde oferecem DIU de graça, fornecem anticoncepcional. O que falta é assistência social, visitar as casas, as comunidades. Explicar que existem meios de contracepção. Sai mais barato para o governo isso do que pagar o internamento para fazer aborto.
É competência do órgão tomar essa posição pública?
Opinião cada um tem a sua. Acho que a mais lógica é a minha. É só levar o esclarecimento para as comunidades. Não tem erro. É uma coisa delicada. Esse posicionamento não tem justificativa prática, porque, por exemplo, as mulheres que têm recomendação para não engravidar porque teriam gravidez de alto risco têm meios de anticoncepção muito eficazes. Para mim, o que está faltando é esclarecimento. O aborto realmente não é necessário.
Em seus 40 anos como ginecologista, o senhor teve contato com mulheres que já fizeram aborto? Como elas ficam depois?
O alívio de um aborto é substituído pela consciência pesada, por uma carga emocional negativa pelo resto da vida. Qualquer evento negativo que aconteça a partir daquilo, ela justifica como sendo castigo pelo aborto que fez. A mulher, quando se tira o filho do seu ventre, sente um vazio enorme dentro de si. Cada vez que olha uma criança, ela diz: "Meu filho estaria com essa idade", "Meu filho pegou pneumonia, porque fiz um aborto e agora ele vai morrer". Esse trauma ela carrega a vida inteira.
Tal posicionamento não vai contra o juramento que todo médico faz ao se formar, que é o da defesa da vida?
Cada um tem a sua consciência. Cada um sabe o que faz. Realmente vai contra, ainda mais se pensarmos que todos nós fomos embrião um dia. Eu, você, sua mãe, se um desses embriões tivesse sido tirado do útero antes da hora, nós não estaríamos conversando hoje.
EntrevistaAutorização é respeito aos direitos humanos e reprodutivos da mulher
Jefferson Drezett, ginecologista e obstetra, é membro do grupo de estudos de aborto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
O que o senhor achou do posicionamento do CFM?
Para quem trabalhou com questões de abortamento em toda a carreira, é uma posição espetacular. O que se colocou é de um absoluto respeito com os direitos humanos e reprodutivos das mulheres. É um problema de saúde pública. Portanto tem de ser enfrentado dessa forma, pelo viés da saúde pública e dos direitos humanos das mulheres.
Mas e os direitos humanos do feto, da criança?
O feto não é uma criança nascida. A interrupção da gravidez não é equivalente ao homicídio de uma criança, nem do ponto de vista técnico nem do legal. Interromper a gravidez no início não é uma questão que nos agrade. Mas é fato que as mulheres recorrem ao aborto independentemente da lei e das religiões. Direitos humanos não se aplicam à questão fetal.
Por que o senhor acha que é justificável o aborto até esse período de 12 semanas?
Nesse período, o estágio de evolução ainda é muito precoce. Esse tipo de interrupção tem uma série de características diferentes das outras. São rápidas e seguras, mais seguras do que ter um aborto natural, por exemplo. Oferece menos riscos para a mulher. E haveria ainda uma precocidade grande do embrião. Não haveria maiores danos para a mulher nessa postura.
O senhor tem contato com mulheres que realizam aborto. Como elas ficam depois?
Eu faço abortos diariamente dentro do que está previsto na lei. O que vejo é que, se o abortamento foi feito dentro dos princípios técnicos e cuidados procedimentais, ele não trará nenhum transtorno para uma futura gestação, nem para a vida sexual da mulher. Essa é a diferença que é muito difícil de ser entendida. O aborto pode ser a mais grave situação de risco de morrer, se realizado de forma inadequada, ou ser uma das cirurgias mais seguras quando é feito dentro das normas legais. Do ponto de vista psicológico, a decisão pelo aborto é muito difícil de ser tomada pelas mulheres. Elas vão ter de enfrentar a lei e se sentem culpadas e criminalizadas. Custa muito do ponto de vista emocional.
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