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O número de abortos provocados de forma clandestina é superestimado por ONGs de ativistas para favorecer a indústria do aborto. A afirmação é do pesquisador pró-vida e especialista em Bioética, Marlon Derosa, que acaba de publicar o livro "Números abortados: a manipulação das estimativas de abortos no mundo" (Pius Edições, 2023).
Lançado neste ano, a obra expõe as distorções dos levantamentos dessas organizações, que tentam forçar autoridades a mudar políticas públicas.
"São gigantescas fraudes científicas ou enganos grosseiros, que têm como agravante o fato de influenciarem debates sobre o tema nas Nações Unidas, Organização Mundial da Saúde, congressos e cortes superiores, como é o caso, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), no Brasil", diz um dos trechos do livro.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Derosa explica algumas dessas deturpações. No Brasil, por exemplo, uma manobra comum é usar dados do Sistema Público de Saúde (SUS) que incluem abortos espontâneos, relativamente comuns, como se fossem abortos clandestinos, inflando os números.
Confira a entrevista completa:
Por que você decidiu escrever sobre o aborto?
Marlon Derosa: Comecei a pesquisar esse assunto, há 8 anos mais ou menos, ao ver as pessoas discutindo nas redes sociais com argumentos muitos frágeis. Minha ideia inicial era pesquisar para dar respostas mais fundamentadas, fazendo resumos, e quando eu vi tinha 30 páginas com referências bibliográficas, com dados científicos. Primeiro, decidi abordar outros temas, especialmente sobre o início da vida em outro livro. Depois, desde 2016, comecei a estudar sobre os números do aborto no mundo e no Brasil e aprofundei na metodologia para entender como eles eram produzidos, e esse livro é fruto desse trabalho.
O que você destacaria sobre as fragilidades, fraudes científicas e enganos grosseiros sobre os números do aborto?
Marlon Derosa: Tive bastante cuidado em ser técnico para não ser leviano. O livro faz um percurso de análise técnica para que o leitor não seja persuadido por mim, mas entenda como a análise foi feita e, no final, chegue a entender que estamos diante de uma manipulação muito grosseira.
As estimativas de aborto que são usadas nas pesquisas científicas mundiais, como a metodologia AGI elaborada pelo Instituto Guttmacher, analisam todos os conjuntos de países onde o aborto é criminalizado ou legalizado e se baseiam em uma mesma metodologia, todos usam uma única metodologia. Você vê que se baseia nos indicadores de um estudo regional da Califórnia feito na década de 70 com recorte enviesado. A pesquisa pegou esses dados e extrapolou nos locais onde aborto é criminalizado; pegou os números porque são convenientes e começou a usar para outros casos.
São números contraditórios e em uma análise técnica aparecem as contradições, além do uso de referências desatualizados e completamente descontextualizados. Então, como é um debate muito polarizado, tive o cuidado de mostrar uma análise técnica para chegar a essa conclusão.
Reforço que não é uma crítica de um pró-vida que quer levar o debate para outro lado, independentemente da posição que a pessoa tenha sobre o aborto ela tem que ter uma preocupação por dados sólidos.
O livro traz estimativas reais sobre o aborto ou mortalidade materna?
Marlon Derosa: O livro não trata sobre registros de morte, mas está focado na estimativa de número de abortos. A estimativa de números de abortos é usada em milhares de teses, dissertações no Brasil e no mundo, e é sempre o mesmo dado. Dizem que no mundo acontecem 40 ou 50 milhões de abortos ao ano, ou tem caído o número de aborto nos países onde está legalizado, como se a legalização do aborto provoque redução dos números. Mas o estudo que citam, não afirma isso, realmente é uma má interpretação completa das coisas.
Todos os estudos mundiais, inclusive da ONU e OMS, se baseiam no Instituto Guttmacher, que usa estatísticas inadequadas e desatualizadas que fazem com que aumentem as estimativas de aborto onde é clandestino, e aí comparam com os países onde é legalizado. Fica um comparativo irreal.
No STF usaram esses dados nas argumentações para chegar à conclusão que é melhor liberar o aborto, e acabaram usando frases como: "se a incidência do aborto não é afetada pela lei ou é menor onde legalizaram, embora eu seja contra eu sou a favor da legalização".
Para amadurecer o debate e antes de mudar uma lei, a gente precisa saber de onde vem esses dados. Não é porque um estudo científico aponta um dado que é verdade, é preciso analisar a metodologia e o meu livro mostra isso.
Existem números oficiais sobre o aborto no Brasil?
Marlon Derosa: Sempre serão estatísticas e estimativas não oficiais, os ativistas tendem a usar estatísticas mundiais porque é o que tem baseado o debate. Nem quando os países legalizam apresentam estatísticas oficiais e confiáveis. Nos EUA, cerca de 55% das clínicas e hospitais que fazem aborto apresentam relatório para o CDC, mas, mesmo assim, eles não conseguem saber quantos abortos acontecem legalmente.
A própria Pesquisa Nacional do Aborto (PNA2016) quando comparada a outras pesquisas conflita alguns de seus resultados, apesar dessa pesquisa não ter sido o foco do livro. Os pesquisadores superestimaram abortos clandestinos, ao projetar 503 mil abortos no Brasil. Números mais prováveis de abortos clandestinos estão na casa abaixo de 150 mil ao ano, porque você não pode misturar aborto espontâneo com aborto provocado.
E quando falamos de abortos subnotificados, existem exemplos como no Canadá, que fornecem números, mas com fichas incompletas, e você não sabe as semanas que o aborto foi realizado, com risco até mesmo de o procedimento estar sendo feito em semanas que não é legalizado. Isso é muito grave. O livro analisa, então, tanto as estimativas de aborto clandestino no Brasil como em inúmeros outros países e mostra que o panorama mundial de abortos está enviesado, porque existe uma superestimativa de abortos nos locais onde é crime e subnotificado onde é legalizado.