Crítica
Estados Unidos criaram diversas ações de exceção
Em dez anos de Guerra ao Terror, os Estados Unidos passaram a criar suas próprias regras para investigação, captura, prisão, julgamento e aplicação de pena a suspeitos de terrorismo. Principal legado da doutrina Bush, as ações de exceção que vão do grampo telefônico à tortura se tornaram alvo de críticas e baquearam a legitimidade norte-americana.
A prisão de Guantánamo, em Cuba, é um ponto nevrálgico. Como não está instalada em solo dos EUA, os detentos não têm direito de recorrer à justiça dos Estados Unidos. "O Direito lá não existe. O preso não tem acesso à defesa. E muitas vezes nem sequer sabe por que está detido. Como também não são tipificados como prisioneiros de guerra, não podem recorrer à Convenção de Genebra", analisa Eduardo Gomes, professor da UniBrasil.
O fechamento da prisão de Guantánamo foi uma das bandeiras de campanha de Barack Obama. Uma vez na poltrona máxima, o presidente passou a enfrentar resistências para cumprir a promessa. Os opositores republicanos argumentam que ex-detentos libertados voltaram a participar de ações de terrorismo. Também há dúvidas sobre qual processo viria a ser aplicado aos acusados.
A execução de Osama Bin Laden também sofreu duros questionamentos. "Eu chamo de assassinato. Foi uma ação totalmente fora das normas do direito penal e sem base em nenhum código de leis dos países envolvidos ou do Direito Internacional, destaca Tatyana Friedrich, professora da UFPR.
Guerras
A mesma legitimidade precária atinge a segunda das "guerras oficiais" contra o terrorismo. O ataque ao Iraque ocorreu sem o aval do Conselho de Segurança (CS) da ONU, diferentemente da ação no Afeganistão. Segundo o juiz federal Friedman Wendpap, as ações feitas à revelia do CS tiveram a conivência tácita dos outros membros permanentes. "Os grandes estados têm suas áreas de império, como China, Rússia, e em menor escala França e Reino Unido. Por isso não haverá uma reprovação explícita e juridicizada da comunidade internacional", relaciona.
Fora de jurisdição
Ao longo do século 20, alguns casos de captura de suspeitos fora do país se tornaram famosos.
Karl Adolf Eichmann
Eichmann foi político e militar durante a Alemanha nazista, e o principal responsável pela política de extermínio chamada de Solução Final. Após o fim da guerra, foi capturado pelos Estados Unidos, mas conseguiu fugir e se escondeu na Argentina sob nome falso.
Em 1960, o serviço secreto israelense (Mossad) sequestrou Eichmann e levou-o a Israel, onde foi julgado e condenado à morte.
Ilich Ramírez Sánchez
Apelidado pelo imprensa francesa de Carlos, o Chacal. Sánchez foi considerado um mercenário e revolucionário de extrema esquerda. A principal ação atribuída a ele é o sequestro de 11 ministros de países-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo reunidos na Áustria. Três foram mortos.
Em 1994, ao se internar para uma operação no Sudão, Sánchez foi anestesiado e removido para um jato do governo francês. Acordou em uma prisão em Paris. Nunca ficou claro qual foi, ou se existiu, a participação do governo local na operação.
Os artifícios da chamada Guerra contra o Terror colocaram os Estados Unidos em rota de colisão com o Direito Internacional. Na busca por desmobilizar a rede terrorista Al Qaeda, o Pentágono enviou forças especiais secretas para capturar suspeitos de terrorismo em outros países. As ações, na maioria das vezes, são realizadas sem o conhecimento dos Estados, o que viola a soberania desses territórios.A análise unânime entre especialistas em Direito Internacional alerta para a seguinte contradição: um país pode desrespeitar a lei para capturar acusados de crimes? A defesa do Departamento de Estado dos Estados Unidos, responsável pelas questões de política externa, se baseia no argumento de que o combate ao terrorismo é uma guerra pulverizada, cujo cenário não se limita aos campos de batalha quentes, como o Afeganistão. "Nos reservamos o direito de agir de forma unilateral, se ou quando outros governos não quiserem ou não puderem agir por eles mesmos", declarou John Brennan, o principal conselheiro da Casa Branca para contraterrorismo, citado pelo jornal The New York Times.
Um dos exemplos mais recentes é o da execução do saudita Osama Bin Laden, mentor dos atentados de 11 de setembro e então líder da Al Qaeda, mas há outros registros atuais de ações unilaterais na Polônia, Romênia e Iêmen. A execução de Bin Laden foi secreta, sem o conhecimento do governo do Paquistão. Uma das diretrizes do Pentágono, inclusive, era de que o ataque fosse rápido a ponto de evitar ser detectada pelas autoridades locais.
Tatyana Friedrich, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que a captura de um suspeito em solo estrangeiro somente pode ser realizada a partir de acordos de extradição ou mediante uso conjunto de força militar. "O Direito Internacional existe exatamente para delimitar as fronteiras de soberania do país, e cada estado vai exercer a jurisdição somente dentro de seu território", lembra.
Dentro dos EUA, o 11 de Setembro também resultou em alterações nas liberdades individuais dos cidadãos, legalizadas por meio do Ato Patriótico. "Sob a ótica interna da segurança daquele país, esses ataques em solo estrangeiro encontram defesa", ressalta Eduardo Gomes, professor de Direito Internacional do programa de mestrado da Unibrasil. "Depois do 11 de Setembro, o terrorismo ganhou uma dimensão global. Mas isso não autoriza um Estado a invadir outro por julgar que existe ali uma ameaça a ser neutralizada", pondera.
Responsabilidade
Se o desacordo com a justiça internacional é evidente, a responsabilização é difícil de ser realizada. Qualquer sanção que pudesse ser aplicada aos Estados Unidos precisaria ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, onde os EUA é um dos cinco membros permanentes, e com poder de veto. "Além disso, torna-se um problema para o país invadido pedir a responsabilização de um país com tão grande poder econômico e político", afirma Tatyana.
O juiz federal Friedman Wendpap, também especialista em Direito Internacional e colunista da Gazeta do Povo, ressalta ainda a fraqueza institucional dos Estados invadidos. "São nações que até mesmo encontram dificuldade em se garantir como Estados soberanos", lembra.
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