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Mais de 70 anos

Ação no STF tenta impedir brecha na lei para o chamado “golpe do baú”

Dispositivo incluído na Lei de Registros Públicos facilita o chamado “golpe do baú”, quando uma pessoa se casa com outra com o intuito de apossar-se de sua herança (Foto: Freepik)

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Quando facilitados, os casamentos com idosos de mais de 70 anos podem configurar fraude. Afinal, é preciso levar em consideração as reais intenções dos cônjuges quando um deles está próximo da expectativa de vida no país que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 77 anos.

Ainda assim, há iniciativas em tramitação, no Judiciário e no Congresso, que parecem ter por objetivo facilitar esse perfil de relação – em outras palavras, favorecer a validade jurídica do chamado "golpe do baú". A principal dessas medidas é o artigo 94-A da Lei de Registros Públicos (LRP), introduzido pela Lei 14.382 de 27 de junho de 2022, em forma de emenda, sem o devido debate legislativo.

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Até o surgimento dessa nova lei, cabia exclusivamente ao Tabelião de Notas, que tem o dever de verificar se a vontade das partes é livre e espontânea e celebrar o termo de união estável. Em caso de existência de filhos menores de idade, era obrigatório ainda o processo judicial de homologação do acordo feito pelos conviventes, sempre com a assistência de um advogado, segundo o art. 733 do Código de Processo Civil.

Agora, um cartório de registro civil, que não tem a especialidade de formalizar acordos de vontade, conforme dispõe a legislação regulamentadora dos agentes de serviços públicos cartoriais, passou a ter a competência para colher a assinatura de conviventes em simples formulários, que podem alterar por completo os direitos das partes, sem o devido consentimento livre e informado.

“Essa alteração legislativa autorizou a formalização de termos declaratórios da existência de união estável e está sendo indevidamente interpretada como autorizadora também da formalização de distratos de uniões estáveis perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN)”, explica Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).

Em reação a essa medida, a ADFAS protocolou, em outubro de 2022, uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade contra essa norma, a ADI 7260. Com a medida, a associação pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que seja declarada a inconstitucionalidade desse dispositivo. “É inconstitucional a norma que autoriza a realização, por mero formulário preenchido em cartório de registro civil, da declaração de existência de união estável, fixando o seu termo inicial e até mesmo escolhendo regime de bens distinto daquele previsto na ordem legal, que é o da comunhão parcial de bens”, diz Regina.

União estável

A presidente da ADFAS lembra que uma união estável tem os mesmos efeitos do casamento na dissolução em vida ou pela morte de um dos conviventes, salvo a herança necessária ou obrigatória, que só existe no matrimônio. “Não deveria ser assim. Uma união estável, que é uma situação meramente fática e com requisitos legais frouxos para a sua configuração – que não exigem sequer a moradia sob o mesmo teto, tampouco prazo de duração – não deveria produzir as mesmas consequências jurídicas, patrimoniais e pessoais de um ato solene como o do casamento. Mas, diante dessa equiparação de efeitos, a mesma proteção que é dada ao matrimônio deve ser dada a uma união estável”, argumenta.

Ela reforça que na interpretação sistemática do Código Civil, um pacto de união estável, assim como um pacto anterior ao casamento, no qual se modifica o regime de bens, só pode ser lavrado em cartório de tabelionato de notas. Isso por que é essa a repartição que tem competência e atribuições para verificar a livre e espontânea vontade das partes e formalizá-la, diferentemente de um cartório de registro civil, que tem outra atribuição, limitada a registrar esses pactos.

Na ADI 7260, a ADFAS também pede a interpretação conforme a Constituição Federal do trecho recém-adicionado à Lei de Registros Públicos quanto à formalização do termo declaratório de extinção da união estável, o chamado distrato. “Isso porque a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil) interpreta incorretamente esse artigo, como se esse dispositivo autorizasse o oficial do registro civil a formalizar a declaração de extinção da união estável quando a norma não faculta ao Registro Civil das Pessoas Naturais a prática desse ato”, explica a advogada.

“É evidente a insegurança jurídica que acarretará o reconhecimento da existência e da dissolução da união estável por mero formulário em cartório de registro civil, sem a presença de advogado e do Ministério Público”, afirma Regina.

Além, do "golpe do baú", medida facilita outras violações

A ação apresentada pela ADFAS busca proteger as famílias de uma situação comum na qual um dos companheiros propõe ao outro a ida a um cartório de registro civil – sem a presença de um advogado, ou seja, sem assistência jurídica – para preencherem um formulário de união estável. “Num piscar de olhos, o regime de bens dessa união estável poderá passar a ser da separação total de bens quando, até então, era da comunhão parcial de bens. Ou, de um regime em que somente se comunicam os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, os conviventes podem passar a ter todos os bens em comum, os anteriores ao início da relação e até mesmo os advindos de herança”, alerta Regina.

Outro caso frequente ocorre quando casais de namorados recorrem ao formulário de união estável em um cartório de registro civil para obterem indevidamente benefícios previdenciários ou securitários em assistência médica privada, ou para um deles ingressar como dependente num clube desportivo, por exemplo.

“É tudo muito fácil e rápido, com imensas vantagens, sem a devida informação que certamente seria prestada no tabelionato de notas, de que não poderiam lavrar a escritura pública porque não vivenciam uma entidade familiar”.

“Essa indevida atribuição de competência aos cartórios de registro civil provoca imensa insegurança jurídica e certamente acarretará maior judicialização”, avalia Regina. “Sem dúvida, os conviventes que forem levados a equívoco na formalização dos tais termos de união estável promoverão ações judiciais para declarar a sua invalidade”.

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