Crianças são abordadas por assistente social em Foz: adesão ao programa é pequena na fronteira| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Estagiários tocam jornadas

Segundo a Secretaria de Ação Social, cerca de 15 estagiários das áreas de Pedagogia e Educação Física estão sendo contratados para atuar nas atividades do Peti em Foz do Iguaçu. A chefe da Divisão de Proteção Especial da Secretaria de Assistência Social de Foz do Iguaçu, Fátima Dalmagro, diz que o processo atrasou em razão da mudança da Lei do Estágio, que acabou alterando os critérios de contratação. A previsão é que todas as jornadas voltem a funcionar integralmente até quarta-feira. A prefeitura está convocando as mães para levarem os filhos para as atividades.

As crianças inscritas no Peti precisam estudar e no contraturno escolar frequentar as instituições onde há oferta de atividades culturais e esportivas. Nem todas as crianças do Peti recebem bolsas. Algumas participam apenas do programa no contraturno, sem ter o benefício.

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Entrevista

Rafael, 13 anos, guardador de carros

O envolvimento de crianças e adolescentes com drogas, prostituição e crimes geralmente começa com atividades aparentemente despretensiosas como cuidar de carros, vender doces, frutas ou CDs nas ruas. As crianças ficam expostas nas ruas e podem ser chamariz para traficantes e aliciadores. Rafael, de 13 anos, e Renato, de 9, (nomes fictícios) foram abordados pela assistência social na frente de um supermercado, em Foz do Iguaçu.

O que vocês estão fazendo aqui?

Viemos pegar sobra de pão na padaria. Ai o Renato (referindo-se ao irmão de 9 anos) falou: ‘vamos cuidar de carro um pouquinho’...

Quanto vocês ganham?

Um dia eu ganhei R$ 20,00 de um tiozinho. Ele disse que ia pagar adiantado. Eu pensei que ele fosse me dar R$ 1,00, aí deu R$ 20,00.

O que vocês fazem com o dinheiro?

Quando não compramos sorvete, bala, compramos anzol para pescar.

O que você está fazendo na rua esta hora? Você não disse que estuda à tarde?

Hoje eu faltei aula porque fui buscar um dinheiro para meu pai no Morumbi (um bairro da cidade).

Política tem de sair do papel

O professor do curso de Serviço Social da faculdade Uniamérica de Foz do Iguaçu, Elias de Sousa Oliveira, explica que a permanência de crianças nas ruas existe por distorções culturais relativas ao que é ou não trabalho infantil, em parte, por causa da falta de conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Oliveira também ressalta a necessidade da aplicação das próprias premissas do ECA e das políticas sociais existentes. Para ele, por exemplo, os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) de Foz do Iguaçu não estão funcionando integralmente. "As equipes são insuficientes para desenvolver o trabalho e não conseguem atender à demanda que se agrava com o aumento do desemprego", salienta.

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Foz do Iguaçu - Nem mesmo projetos sociais conseguem tirar crianças e adolescentes das ruas em Foz do Iguaçu. Levantamento da Secretaria de Ação Social indica que pelo menos 20% das 340 crianças atendidas com bolsas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) ainda perambulam pela cidade para trabalhar.

São meninos e meninas de até 16 anos que deveriam estudar, frequentar jornadas esportivas e culturais no contraturno escolar para não ficar nas esquinas ou em semáforos vendendo doces ou CDs, nos fins de semana ou à noite. As famílias com filhos inscritos no Peti recebem R$ 60,00 por mês justamente para evitar que eles trabalhem.

Diversos fatores têm contribuído para manter crianças e adolescentes trabalhando nas ruas de Foz do Iguaçu. A chefe da Divisão de Proteção Especial da Secretaria de Assistência Social municipal, Fátima Dalmagro, diz que a negligência dos pais é um deles. Na avaliação dela, algumas famílias tem uma visão distorcida do trabalho infantil. "Em nossa região, o trabalho infantil tem um aspecto diferente do que em outros estados. As famílias do Sul não têm a mentalidade de que estão explorando os filhos, caso eles trabalhem com carvão, cana ou vendendo doce", diz.

Fátima explica que as crianças do Peti flagradas trabalhando, em geral, são de famílias que apresentam comportamento vicioso. A maioria coloca os filhos para vender alimentos, CDs ou cuidar de carros e não vê risco na atividade.

Outro problema é o funcionamento parcial das jornadas do Peti em Foz do Iguaçu. Atualmente, há nove instituições na cidade que atendem crianças inscritas no programa, incluindo entidades públicas e não-governamentais. No entanto, por falta de estagiários, nem todas as jornadas estão funcionando. Estima-se que apenas 80 crianças inscritas no Peti, de um universo de 500 (entre aquelas com famílias que recebem e não recebem bolsas) frequentam o projeto.

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As crianças do Peti flagradas trabalhando ou desacompanhadas são encaminhadas imediatamente às famílias. A mãe ou responsável é convocado a comparecer ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) para conversar com assistentes sociais e psicólogas. Se o problema não é solucionado, o caso é levado ao Conselho Tutelar.

A Secretaria de Ação Social está realizando uma campanha em Foz do Iguaçu para resolver a situação. O objetivo é abordar as crianças, enviá-las de volta para casa e orientar os pais. O trabalho também quer conscientizar a população a não fornecer alimentos e dinheiro aos meninos e meninas.

Exemplo

O comerciante Abdul Arabi sentiu os reflexos do trabalho infantil na porta do seu estabelecimento. À noite, crianças costumavam circular com frequência entre as mesas de sua lanchonete, na Vila A, para pedir comida e dinheiro aos clientes. Do outro lado da avenida, o problema persistia. Um grupo de adolescentes rondava motoristas para cuidar dos carros.

A situação começou a incomodar os clientes porque os meninos ameaçavam riscar carros. Um deles ainda circula pelo local, armado com faca e canivete. O problema foi resolvido recentemente, depois que um adulto começou a cuidar dos veículos estacionados em frente à lanchonete. "Quando íamos falar alguma coisa eles xingavam’", diz.

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Na avaliação do educador Mário Dalzotto, a criança sente-se bem na rua porque tem liberdade. "Muitas vezes, quando conhecemos algumas casas, notamos porque as crianças estão na rua. Há desestruturação familiar, pais alcoólatras, violência. Uma situação degradante. Por isso aos poucos as crianças vão perdendo a autoestima e sendo adotadas por traficantes", analisa.