Há um ano e cinco meses, Alcione Xavier Ferreira se sentia ilhada na zona rural de Tibagi. Morando há 40 quilômetros do centro da cidade, ela nem sequer tinha computador quando o programa Tibagi Digital chegou à sua residência. Agora, Alcione consegue "se sentir parte da cidade". "Eu consigo saber o que está acontecendo no município, na região e no estado", conta.
Ela acessa diariamente sites de notícias e as três filhas, de 16, 14 e 7 anos, aproveitam a internet para estudar. "Isso ajuda muito a aprenderem mais", relata Alcione. Esse é o grande objetivo da inclusão digital. Ou deveria ser. O problema é que, apesar de o acesso ao universo on-line ter chegado, não há projetos efetivos que ensinem os usuários a como aproveitar os benefícios da grande rede.
Segundo a Rede Cidade Digital, o Brasil apresenta 561 cidades que disponibilizam alguma forma de acesso gratuito à internet seja por intermédio do poder público ou de entidades não governamentais. No Paraná, são 76. Em todo o país, de acordo com o último Censo, 166 milhões de pessoas têm acesso à web. O que significa que aproximadamente 30 milhões estão alheias ao recurso.
O pesquisador da Universidade Positivo Rafael Dubiela, que faz doutorado na área, salienta que a inclusão digital, sozinha, é incapaz de promover uma inclusão social. "O processo de inclusão digital não tem caminhado da melhor maneira. Precisamos de políticas que visem ao aprimoramento educacional e profissional por meio da internet", afirma.
Ele lembra que o Ministério da Educação até oferece um material didático (disponível em portaldoprofessor.mec.gov.br), com dicas sobre o uso da internet, para ser utilizado em salas de aula. "Mas quase ninguém conhece e não há nem divulgação de algo que poderia estimular as pessoas a buscarem cursos on-line para melhorarem de vida."
Para a pesquisadora e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Dilmeire Vosgerau, a internet é geralmente vista apenas como uma forma de criar e acessar redes sociais. Segundo ela, esse universo é subutilizado. "O que parece coerente é termos ações paralelas que levem a internet ao cidadão, mas também que se criem programas que levem mais informações de como as pessoas podem utilizá-la para melhorar de vida e realizar cursos, por exemplo."
Na opinião de Dilmeire, a pessoa não busca sozinha meios virtuais que possam levar a aperfeiçoamentos profissionais e econômicos. "O caminho da inclusão digital hoje no Brasil é tortuoso. Levam a internet, mas não mostram como ela pode ser útil na vida das pessoas", diz.
Projeto na Vila das Torres não depende do poder público
Criado no primeiro semestre do ano passado, o Programa Vila Torres Digital, em Curitiba, já atende 50 famílias da região, que juntas somam quase 200 pessoas. Além da vila curitibana que dá nome à iniciativa, moradores dos bairros Jardim Botânico, Prado Velho e Rebouças também são impactados pelo projeto. É um dos raros programas do tipo que não dependem do poder público. "É o único projeto que eu conheço em que a demanda partiu da comunidade, sendo resultado de parceria entre o Clube de Mães da União Vila das Torres, By Air Brasil e RCD - Sistemas de Comunicação", diz José Marinho, diretor da Rede Cidade Digital.
Além de disponibilizar internet gratuita, o programa mantém um portal (www.vilatorresdigital.com.br), que traz notícias e a história do local, além de abrir espaço para interação da comunidade. Todos os que acessam o sistema, antes de navegar, passam pelo portal.
"Estamos tratando com diretores de uma escola para ampliar a participação dos alunos e também articulando com instituições a implantação de ações que potencializem o uso da internet para contribuir com o desenvolvimento das pessoas e da Vila", comenta Marinho. A ideia é capacitar moradores para que eles próprios produzam conteúdo para o portal. "A ideia é a internet colaborar para os estudos e aperfeiçoamentos profissionais dos moradores", afirma.
É o que procura fazer a funcionária pública Oneida da Silva, 42 anos. Ela trabalha durante a manhã e à tarde e à noite cursa Física na PUCPR. "Sempre estou navegando para ficar atenta a novos concursos públicos e uso muito a internet para meus estudos."
Já Elza Vieira, que foi a primeira a receber o sinal de internet na Vila, viu o contato com familiares que moram em outras cidades ficar muito mais próximo. "Além disso, procuro novas receitas culinárias. Meu filho usa para procurar técnicas de desenhos e também para se distrair com jogos e redes sociais."