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Caso tenha o nome aprovado pelo Senado para integrar o Supremo Tribunal Federal, o advogado-geral da União, André Mendonça, deverá participar de ao menos cinco importantes julgamentos sobre liberdade religiosa. Pastor presbiteriano, Mendonça foi indicado por Jair Bolsonaro por ser, segundo o presidente, "terrivelmente evangélico".
Se assumir a cadeira de ministro, Mendonça não estará impedido de participar de nenhum dos julgamentos, mesmo aqueles relacionados às atividades religiosas, a serem realizados no plenário da Corte. Mas seu voto será apenas um entre os 11 ministros.
Nos últimos anos, a liberdade religiosa tem sido objeto de crescentes debates na Suprema Corte. Decisões recentes incluem, por exemplo, a permissão para o ensino confessional nas aulas de religião; a possibilidade de rádios comunitárias veicularem programas com pregações; e a permissão para que adventistas façam concurso fora do sábado, dia sagrado na religião.
Por outro lado, neste ano, a Corte derrubou uma lei do Amazonas que obrigava escolas e bibliotecas públicas a manterem ao menos uma Bíblia em seu acervo; e também permitiu que governadores e prefeitos suspendessem temporariamente cultos presenciais durante a pandemia.
Neste julgamento, em abril, André Mendonça defendeu, como advogado-geral da União, a abertura dos templos. Além de ter o pleito negado, foi criticado por Gilmar Mendes.
Veja, abaixo, cinco ações importantes sobre o tema a serem julgadas no STF (ainda não há data marcada para análise dos processos no plenário):
Missionários em tribos isoladas
Está praticamente pronta para ser julgada na Corte uma ação do PT que pretende impedir o ingresso e a permanência de missionários em tribos indígenas isoladas durante a pandemia.
O partido diz que, além de colocar em risco a vida dos índios, as missões religiosas também ameaçariam "o direito constitucional desses povos ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".
A ação questiona uma lei do ano passado que condicionou a permanência dos missionários nas tribos isoladas a avaliação por equipe de saúde e aval do médico responsável. Ao questionar essa norma, o PT, no entanto, busca expulsar os religiosos.
No processo, a Presidência da República, o Senado e a Advocacia-Geral da União argumentaram que a lei não permite o ingresso de novos missionários, apenas a permanência dos que lá estavam e, mesmo assim, mediante autorização da Funai, a quem cabe proteger essas tribos.
Em sua manifestação, a AGU defendeu a liberdade de culto e de expressão religiosa dos índios. “A liberdade de consciência religiosa e de crença compreende também o direito de mudar de religião, mediante adesão voluntária a denominações exógenas a seu meio social originário”, afirmou em parecer o órgão.
O documento foi enviado no dia 2 março deste ano e assinado pelo então advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior. Nesta época, André Mendonça, atual ocupante do cargo, ainda não havia reassumido a pasta. A ação tem como relator no STF o ministro Luís Roberto Barroso.
Crucifixos em órgãos públicos
Alegando a laicidade do Estado, o Ministério Público Federal em São Paulo pediu à Justiça para retirar símbolos religiosos, como crucifixos e imagens, de locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público dentro dos órgãos públicos.
O pedido foi negado na primeira e na segunda instância. Em sua decisão, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) afirmou que a presença de símbolos religiosos em edifícios estatais não colide com a laicidade do Estado, pois “trata-se de reafirmação da liberdade religiosa e do respeito a aspectos culturais da sociedade brasileira”.
O MPF recorreu ao STF, alegando que a presença de objetos cristãos em órgãos públicos caracterizaria uma “ditadura da maioria”. Afirmou que a fixação desses objetos “nega efetividade ao princípio da igualdade e à plena liberdade de crença de parcela da sociedade brasileira em prol do direito à cultura dos católicos”.
Além disso, “não promove a integração social, já que mantém situação prejudicial à noção de pertencimento e participação na gerência das res pública de cidadãos que não professem as religiões cujos símbolos continuarão exibidos em prédios públicos nos quais necessitem transitar”.
Em parecer enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da República, órgão de cúpula do MPF, opinou na direção contrária. Disse que elementos religiosos não ofendem a impessoalidade da Administração Pública e da imparcialidade do Poder Judiciário. “Trata-se na verdade de expressão da liberdade religiosa e da diversidade cultural do povo brasileiro, que deve ser salvaguardada pela tolerância e respeito ao pluralismo. Não representam qualquer alusão do Estado a determinada religião em detrimento de outra. Tampouco pode-se afirmar que de alguma forma influenciam os atos da Administração Pública”, diz o documento.
A ação tem como o relator o ministro Ricardo Lewandowski.
Uso de véu na carteira de motorista
Sob a relatoria de Luís Roberto Barroso, tramita desde 2014 um recurso apresentado pela União contra decisão da Justiça Federal do Paraná que permitiu a uma freira usar o hábito religioso na foto de sua carteira de motorista.
Representando o Detran do estado, a Advocacia-Geral da União contestou a decisão, com o argumento de que uma resolução do Contran proíbe o uso de óculos, bonés, gorros, chapéus ou qualquer outro vestuário ou acessório que cubra parte do rosto ou da cabeça. É uma norma de segurança para impedir fraudes com o documento, muito usado para identificação das pessoas.
O Ministério Público Federal acionou a Justiça para garantir o uso do véu. Alegou que ele integra a identidade das Irmãs de Santa Marcelina e não é um acessório estético. Afirmou que exigir sua retirada afrontaria a capacidade de autodeterminação das pessoas e mitigaria o reconhecimento pelo Estado à liberdade de culto.
Ao aceitar o caso para julgamento no STF, Barroso lembrou que, em 2013, a Corte Europeia de Direitos Humanos permitiu que a França proibisse que mulheres usassem em locais públicos o niqab, véu que cobre todo o rosto e é imposto por algumas ramificações do islamismo. Ressalvou, contudo, que essa decisão “se assentou na realidade cultural da sociedade francesa”. No Brasil, caberia avaliar se a restrição é realmente imprescindível para a identificação e para impedir fraudes.
Tratamento alternativo à transfusão de sangue
Tramitam no STF três ações relacionadas ao direito de testemunhas de Jeová não serem submetidas a transfusões de sangue, o que é proibido pela religião. Duas delas dizem que seus adeptos, maiores de idade e capazes, não podem ser obrigados a realizar esse tipo de tratamento, mesmo em caso de risco iminente de morte.
No caso concreto, os pacientes se recusaram a assinar um termo de consentimento, condição para realizar o procedimento. Em pareceres, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se a favor dos pedidos, sob o argumento de respeito à liberdade de crença e ao direito à autodeterminação da vontade.
Uma terceira ação vai além: pede que o SUS seja obrigado a custear na rede privada cirurgias mais caras indisponíveis em hospitais públicos. A União recorreu para não pagar a cirurgia. As ações têm como relatores Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques, mas nenhum deles ainda liberou os processos para julgamento no plenário.
Capelães sem concurso
Está para ser julgada no plenário do STF uma lei do Maranhão que permitiu ao governador escolher livremente, sem concurso público, capelães que prestam assistência religiosa a policiais, bombeiros e presos.
A Procuradoria-Geral da República questionou a norma, por entender que ela não atende aos requisitos da impessoalidade e moralidade. Disse que, com a lei, o governador poderia nomear pessoas sem qualificação profissional e “alojar correligionários e outras pessoas como forma de favorecimento, com fins pessoais ou eleitorais”.
Em fevereiro deste ano, o relator, Kassio Nunes Marques suspendeu liminarmente a norma e acrescentou um argumento de cunho religioso. Na decisão, escreveu que a livre nomeação poderia ofender a liberdade religiosa e o credo dos servidores.
“O provimento por certame constitui-se, pois, em garantia de que o Executivo não interfira na fé e na liberdade religiosa dos cidadãos. O concurso público é a forma mais segura e prudente para que os oficiais capelães possam professar de forma livre a fé na qual estão imbuídos, sem indevidas interferências ou dependências, o que poderia eventualmente ocorrer, a depender pura e exclusivamente caso se mantivesse o provimento apenas por nomeação em cargo de confiança pelo Chefe do Executivo”, disse na decisão.
O assunto ainda será debatido no plenário do STF, mas ainda não há data definida.