O acúmulo de animais em casa, mais que um gesto de compaixão com cães e gatos abandonados, é um transtorno mental que desafia as autoridades públicas. A maior parte das pessoas que sofre desse mal é invisível aos olhos das políticas de saúde dos municípios. O problema afeta inclusive os animais, que acabam vivendo em espaços pequenos, com água e comida escassas.
Em Curitiba, uma iniciativa da prefeitura planeja mudar esse panorama de abandono. A Rede de Proteção Animal deu início a um levantamento inédito que pretende localizar e traçar o perfil dos acumuladores na capital. A partir dos resultados do estudo, o município quer desenvolver um plano de ação que garanta o bem-estar do acumulador e dos animais. Com financiamento da Fundação Araucária, a pesquisa é a primeira do tipo no país. Os dados serão levantados a partir de denúncias feitas ao telefone 156 e à Rede de Proteção Animal. Até agora, cerca de 130 casos foram catalogados pelo grupo.
Coordenador do levantamento, Alexander Biondo estima que existam pelo menos 150 acumuladores em Curitiba. Para ser diagnosticado com transtorno, não basta ter uma quantidade determinada de animais em casa. A definição do problema não depende do números de bichos, mas de um padrão de comportamento. "É um transtorno compulsivo que entrou neste ano para a lista de doenças mentais. É uma doença que se caracteriza pela perda, em que a pessoa se marginaliza e até projeta a personalidade nos animais", diz Biondo, que é diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
De acordo com ele, muitas vezes o acumulador não tem condições de tratar os animais adequadamente, mas também não percebe o mal que causa. Outra característica que o diferencia dos protetores de animais, por exemplo, é o apego excessivo, que impede as doações. "O acumulador não põe para adoção, ele põe empecilhos. A pessoa pode ter um animal e ser acumuladora, mas o perfil que imaginamos encontrar nesse estudo é de pessoas com cinco a dez cães para cima."
Depois de identificadas, elas serão visitadas por um grupo de biólogos, veterinários e psicólogos da Secretaria Municipal de Saúde, Universidade Federal do Paraná e Faculdade Dom Bosco para entender melhor cada um dos casos. A previsão é concluir o mapeamento em dois anos.
Moradora do Uberaba tem 110 cachorros
Quando perdeu o filho, há 10 anos, a dona de casa Maria Cristina Gomes, 52 anos, começou a acolher cachorros da rua. A primeira foi "Neguinha", já adulta. Depois, veio Sansão, um filhotinho. Logo, a pequena casa no bairro Uberaba se tornou referência para pessoas que desejam adotar ou dar um lar a cães doentes ou abandonados. "Quem tem cachorro doente vem se consultar aqui. Nem vai mais no veterinário", diz.
Ela conta que já acolheu e recuperou incontáveis caninos. "Calculo que hoje tenho uns 110", afirma. Alguns chegam à casa dela quase sem vida, maltratados, com sarna ou pulgas. "Não tenho medo, pego sarna deles. Hoje mesmo chegaram três, um cheio de sarna. Ontem doei um pequeno e hoje um pitbull, mas é difícil adoção. Mais entra do que sai."
Para dar conta de alimentar os mais de 100 "filhos" que comem 30 quilos de ração por dia , ela pede a ajuda de vizinhos, amantes de bichos e até da panificadora próxima, que doa sacos de pães. "Tem dia que não ganho nada, então, acabo gastando uns R$ 180 por mês", calcula ela, que é pensionista da Paraná Previdência.
Os animais, garante Maria Cristina, estão melhor ali do que abandonados na rua. Mesmo assim, reclama que a prefeitura já foi até a casa dela com a Guarda Municipal por causa do mau cheiro. "Até concordo com os vizinhos. Limpo toda hora, mas não tem jeito."
Ajuda
Nos próximos meses, Maria Cristina teme ficar sem lugar para morar com os cachorros. "A proprietária quer a casa e eu preciso de um lugar pra morar. Não quero de graça, pago o aluguel, mas precisa ser aqui perto, porque cuido da minha mãe doente."