Nos últimos meses, as discussões em torno da redução da maioridade penal dividiram o Brasil. Texto que está em estágio mais avançado de tramitação, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 pretende que os adolescentes com 16 anos ou mais e que tenham cometido crimes hediondos sejam imputados penalmente. Eles cumpririam pena em um estabelecimento intermediário, separado do sistema penitenciário (para os adultos) e do sistema socioeducativo (em que adolescentes infratores cumprem medidas de internação).
Rede socioeducativa tem menos reincidência e mais responsabilização
A cama bem arrumada, com uma colcha colorida bem estendida, dá ao cômodo uma cara de quarto de menina. Mas a porta de aço e o cadeado deixam claro que aquele espaço é uma cela. É em anexos como esse que 32 garotas cumprem medida de internamento, no Centro de Socioeducação (Cense) Joana Richa, no bairro Mercês em Curitiba – única unidade feminina do Paraná.
Pela manhã, as adolescentes frequentam aulas, em pequenas turmas. À tarde, a rotina inclui cursos e atividades profissionalizantes. Nos outros Censes do estado, o dia a dia é parecido. O atendimento é quase individualizado e não sai barato: em média, cada jovem custa R$ 10 mil por mês ao estado, enquanto no sistema prisional, o custo médio mensal de cada detento é de até R$ 3 mil.
O maior investimento se traduz, por exemplo, em um índice de reincidência bem menor em comparação ao modelo penitenciário. Hoje, 17% dos adolescentes internados são reincidentes. Nos presídios, o índice chega a 70%, segundo o Departamento Penitenciário.
Além disso, especialistas apontam que o adolescente que comete uma infração é responsabilizado de forma muito mais efetiva que um adulto. O jovem ter que ser julgado em até 45 dias e, se for o caso, já é encaminhado à internação.
“O sistema socioeducativo prevê resposta imediata. Hoje, é mais fácil manter um adolescente internado do que um adulto preso. Não precisamos alterar a lei que já existe. Precisamos é investir para que tenhamos mecanismos que reeduquem este adolescente”, disse o procurador Murillo José Digiácomo, do Ministério Público.
O problema é que o texto é completamente vago e não fixa sequer diretrizes mínimas para a criação deste sistema intermediário.
Hoje, no Paraná, 171 adolescentes se encaixariam nas definições dessa proposta de redução da maioridade penal – eles cumprem internação por atos infracionais, como homicídio, latrocínio e estupro. A Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) estima que seriam necessárias pelo menos duas novas unidades para receber esses jovens. A pasta aponta que, só para construí-las e equipá-las, o Paraná gastaria cerca de R$ 20 milhões.
“O Brasil não tem hoje nenhum estado preparado para cumprir essa PEC, no que diz respeito à criação do sistema intermediário. Ninguém tem condições”, disse Pedro Ribeiro Giamberardino, diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo, vinculado à Seju.
Tramitação
A PEC 171/1993 foi aprovada na Câmara em agosto deste ano. No Senado, a PEC tramita com o número 115/15. A matéria deve ser votada conjuntamente com outras que visam alterar a maioridade penal.
Outro ponto que preocupa as autoridades são as lacunas do texto da PEC. A proposta não determina, por exemplo, se haveria um período para que os estados se adequassem à norma, criando este novo modelo; e qual o perfil da pasta que seria responsável para gerir este sistema. Não há sequer diretrizes de como seriam essas unidades.
“Não se sabe, por exemplo, se este novo modelo ficaria sob responsabilidade da Seju ou da Sesp [Secretaria de Estado da Segurança Pública, que administra os presídios do Paraná]”, apontou Giamberardino.
Efeito reverso
Para os especialistas, a falta de unidades para consolidar o modelo esboçado pela PEC 171/1993 pode provocar um efeito reverso e colocar nas ruas os adolescentes que se enquadram nas especificações da proposta (maiores de 16 anos, autores de crimes hediondos).
“Não vamos poder manter este adolescentes no sistema socioeducativo. Ao mesmo tempo, eles não poderão ser colocados no sistema penal. O que vai acontecer é que, a partir de pedidos dos advogados, a Justiça vai mandar esses jovens cumprir prisões domiciliares. Eles vão para a rua”, avaliou o procurador de Justiça, Murillo José Digiácomo, do Ministério Público do Paraná.
Segundo sindicato de educadores, unidades para adolescente têm falhas estruturais e falta de pessoal
Servidores
Além do investimento estrutural, o Sindicato dos Servidores da Socioeducação do Paraná (Sindsec) destaca a necessidade de contratação de funcionários para atuar neste modelo intermediário, que teria que ser criado a partir da proposta de redução da maioridade penal. Segundo o presidente da entidade, Dirceu Soares, em algumas unidades, a proporção deve ser de um servidor por adolescente internado. “Não vamos ter condições de manter mais um sistema com o mesmo efetivo. E contratação de servidor não se faz do dia para a noite. Se isso [a PEC] for aprovada, vai ser um caos”, disse.
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