A simples menção ao nome da escritora paulista Ana Cristina Ayer de Oliveira desperta reações inesperadas entre os 500 alunos do Colégio Estadual João Gueno, na periferia de Colombo – Região Metropolitana. Causa surpresa. “Índigo” – como Ana se tornou conhecida – figura entre os fenômenos da nova literatura infanto-juvenil, setor do mercado para o qual parece não haver crise. Ao contrário, seus autores provocam filas bíblicas nas bienais do livro e congestionam a blogosfera.
Não se pode dizer que os professores amam as celebridades literárias na mesma medida que os jovens leitores. Muitos os veem com reserva – preferindo insistir na recomendação dos canônicos, não raro fazendo-os descer goela abaixo. A “João Gueno” fez caminho contrário, dando incentivo para que nomes das novas lavras chegassem às mãos dos estudantes. A gurizada não só adorou como conta vantagem, dizendo que Índigo “virou freguesa”. Não é exagero.
Em um ano, a escritora fez duas visitas ao colégio de Colombo. Foi recebida com honras de chefe de Estado, à custa de muita força-tarefa – da venda de bombons caseiros para arrecadar fundos para a recepção a mutirão: os muros pediam uma demão de tinta. Se pudessem, passariam asfalto na frente, reduzindo o poeirão. Para coroar o empenho, entre uma passada e outra da autora, a “João Gueno” ganhou em 2014 o prestigiado prêmio Viva Leitura, promovido pelo governo federal. Bateu concorrentes de todo o país. O que aconteceu ali chama atenção.
Revolução da leitura
Até pouco tempo, o bairro São Dimas – onde está o colégio – e seu vizinho, o Monte Castelo, eram mais conhecidos da crônica policial do que dos agentes da leitura. Não bastasse a praga do tráfico – que se aproveitou da geografia alterosa daquelas divisas – em junho de 2013 a região foi cenário do assassinato da adolescente Tayná Adriane da Silva, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Entre a tragédia e a “chapa” Índigo, os adolescentes preferem a segunda opção. Não é difícil entender.
A “revolução da leitura” na “João Gueno” começou em 2013, no dia em que a professora de Língua Portuguesa Érica Rodrigues, moradora do São Dimas, bateu na porta do Departamento de Educação da UFPR. Expôs o quadro negro: seus alunos do 7.º ano ostentavam um combo completo – lidavam com as palavras aos trancos, sem falar no repertório estacionado no bosque da Chapeuzinho Vermelho. As pesquisadoras Lúcia Cherem e Elisa Dalla Bona responderam no ato: bolaram um projeto e carregaram toda semana alunos de Letras e Pedagogia para as bandas da Estrada da Ribeira.
Imaginação
Foi em meio a esse amistoso entre universidade-escola que se deu o inesperado. Decidida a encontrar um livro que interessasse aos adolescentes, Érica carregou para a sala um exemplar de A maldição da moleira – da então obscura “e de nome estranho” Índigo. Recorreu a uma lição dos tempos da professorinha. Começou a lê-lo em voz alta, um pouco a cada aula, qual uma novela.
Entre um encontro e outro, os alunos praticavam o exercício da imaginação – de como seriam os personagens ao que aconteceria no próximo capítulo. “Não foi nada muito planejado”, conta a educadora. Ela deixou acontecer – e aconteceu de Índigo responder uma-duas-três... mensagens dos alunos pela internet. Virou amiga virtual. Mandou-lhes uma caixa de livros. “Quando chegou, céus, foi a maior expectativa”, conta Brenda Cordeiro, 14. Recebeu o convite para aparecer. E apareceu. Duas vezes – em setembro de 2014 e abril de 2015. Hoje chama sua vida antes da visita de “pré-colombiana”.
O estreitar de laços entre um autor e seus leitores não foi a única tarefa da parceria. Elisa Dalla Bona e alunos da UFPR preparam uma publicação na qual relatam a “experiência”, assim que terminarem as análises. São muitas – em especial as investigações sobre os textos que a turma da “João Gueno” passou a escrever depois do encontro com Índigo. Produziram, inclusive, um livro – Diário animal. “Há um grau de sofisticação nas histórias que eles assinam”, diz Elisa.
Conhecida por pesquisar um dos maiores selos de qualidade do ensino público de Curitiba – a Escola Municipal São Luiz – a pesquisadora traficou seu conhecimento para o colégio de Colombo. Ao tentar descobrir o segredo do “São Luiz”, dono das melhores avaliações no Índice de Educação Básica, o Ideb, descobriu o poder de tirar livros da biblioteca – levando-os à sala de aula – e a magia da leitura em voz alta. “O professor lê melhor do que um aluno – que dirá num local que tinha as dificuldades do São Dimas. Ao ouvir, começaram a navegar e acabaram conquistados”, explica Dalla Bona. O bom é que não parou por aí – a turma da UFPR continua conectando o São Dimas ao mundo. Aguardem.