Os advogados de defesa de alguns dos investigados nos inquéritos das fake news (Inq. 4.781) e das milícias digitais (4.874), que são conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contestaram as explicações dadas pelo ministro Alexandre de Moraes aos questionamentos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Por meio de um despacho encaminhado à OAB nesta quarta-feira (30), Moraes alegou que todos os pedidos citados pela entidade sobre os inquéritos foram analisados e respondidos, e que ele assegura o acesso amplo dos advogados de defesa a elementos de prova contra seus clientes.
Um dos responsáveis pela defesa de investigados nos inquéritos sigilosos tocados pelo Supremo, o advogado Emerson Grigollette, foi mencionado no despacho do ministro. À Gazeta do Povo, Grigollette disse que não tinha conhecimento que seu cliente era citado no Inquérito 4.879 e nem na PET 9.005, mencionados por Moraes como se os autos estivessem disponíveis à defesa.
"O cliente que represento, Bernardo Küster, só tomou conhecimento da ação porque sofreu busca e apreensão de aparelhos dele, que tinham dados pessoais, e até hoje o ministro não se deu o trabalho de despachar se vai devolver ou não. O único procedimento que apresentei petições, desde 2020 até agora, foi no 4.781, e desde o dia 29 de maio de 2020 estamos tentando ter acesso integral aos autos", disse.
Segundo o advogado, Moraes não dá acesso amplo aos autos e libera apenas partes do processo com paginação incompleta, em papel. Além disso, o ministro cria novos inquéritos sem comunicar aos advogados de defesa.
"Nunca tivemos acesso ao processo na íntegra que deve ter mais de 10 mil páginas. É impossível fazer defesa com menos de 15% do inquérito, e o problema de não ter acesso é que estamos trabalhando no escuro e não dá pra adivinhar o que posso fazer", explicou Grigollette.
Diante das declarações do ministro, o advogado reforça o pedido pelo fim do sigilo do processo e reitera um convite ao Conselho Federal da OAB para averiguar, pessoalmente, junto ao ministro Alexandre de Moraes, se as prerrogativas das defesas foram realmente respeitadas. "Ninguém quer ofender o ministro, mas precisamos confrontar; ou o ministro abre o sigilo dos inquéritos ou a OAB me acompanha pra conferir se ele vai nos receber e as dificuldades que estamos tendo", disse.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou novamente o STF para questionar sobre essas informações, mas a assessoria de imprensa do órgão apenas repetiu o que o ministro Alexandre de Moraes havia respondido ontem à OAB. Por outro lado, a OAB não quis enviar o documento encaminhado a Moraes sobre os questionamentos em relação às violações de prerrogativas de advogados.
Informações cruzadas
Grigollette também criticou as "informações cruzadas" sobre o acesso aos autos do inquérito que, segundo ele, são "autos picados e incompreensíveis". "Apresentamos mais de 10 petições reiterando o acesso ao processo, íamos ao STF e o STF falava que estava na Polícia Federal; íamos à PF que falava que estava no STF, ninguém sabia onde estava esse inquérito. Pareceu até proposital", informou.
O advogado reiterou que pretende reforçar a denúncia, já apresentada à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em agosto de 2020, que trata da situação de violação das prerrogativas e é assinada por mais de mil advogados. "Vou reiterar essa surpresa do novo inquérito e a falta de acesso aos autos", disse.
Para o advogado Miguel Vidigal, que defende um dos empresários que foram incluídos no processo das milícias digitais, "o ministro vem adotando um sistema confuso e de difícil aplicação para os advogados que pretendem, com procuração, ter acesso aos autos, apesar de ter respondido aos peticionamentos".
"Ao negar sua análise digital, e exigindo que os patronos dos investigados se locomovam a Brasília para receber cópias físicas de um processo que tramita na forma digital, dá, talvez involuntariamente, a sensação de abuso de autoridade na medida em que são colocadas desnecessárias barreiras aos advogados para realizarem de forma ágil e eficiente o seu labor, cerceando o direito à ampla defesa por parte dos investigados", disse Vidigal.
Na avaliação do advogado, o fato de Moraes negar acesso amplo, irrestrito e digital aos autos fere uma série de prerrogativas previstas na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual garante em seu artigo 8º que "todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédios efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei".
"A igualdade preceituada na Constituição Federal, o livre acesso aos autos, o princípio de paridade de armas, o direito de se defender dignamente, são alguns dos princípios basilares e básicos do Direito Processual Brasileiro. Por esse motivo, me parece que negar acesso digital aos autos fere de forma grave todos esses princípios", explicou o advogado.
Vidigal também cita que a súmula 14 do STF, citada inclusive por Moraes no despacho à OAB, não vem sendo respeitada. "A súmula 14 determina que é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa", disse.
O acesso aos autos de forma presencial e somente em papel, além da falta de reunião com o ministro Alexandre de Moraes, foi confirmada por Grigollette. "Ele dá um despacho, a gente recebe pelo WhatsApp e solicita a informação, liga pra fazer um agendamento. Ele marca o dia e simplesmente entrega o documento com partes do processo. A gente não tem acesso ao ministro, nunca consegui falar com ele pessoalmente", disse.
Representação na OAB parada
Apesar de não ter sido mencionado no pedido da OAB ao ministro Alexandre de Moraes, o advogado Renor Oliver, que defende o jornalista Allan do Santos, preso preventivamente no inquérito das milícias digitais, informou que o acesso amplo aos elementos de prova "não corresponde à verdade". Ele protocolou uma nova petição no STF, no último dia 21, pedindo acesso aos autos, e disse que "continua há mais de um ano sem vista dos autos da PET 9935, apenso do INQ 4.874, apesar de várias petições protocoladas e ações impetradas com este fim no STF".
Oliver explicou que entrou com uma representação na OAB, que tramita desde janeiro, para garantir as prerrogativas de defesa no inquérito, mas disse que "o caso seguiu para a Comissão Nacional de Prerrogativas e até o momento está pendente de decisão do Conselho". "O procedimento teve início na Comissão de Prerrogativas de SP [seccional paulista da OAB], que teve dois ofícios ignorados pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes quando solicitadas informações sobre as violações às prerrogativas", explicou.
O advogado também cobrou da OAB a cópia das petições protocoladas no STF pela Ordem em defesa das violações às prerrogativas que foram denunciadas por ele há quase um ano.
"Estou sem acesso aos autos do inquérito em que continuam vigentes medidas gravíssimas contra os investigados, como bloqueio universal de bens e a remoção dos perfis das redes sociais de uso profissional de uma empresa de comunicação, além da prisão preventiva decretada contra um de seu jornalistas", explicou o advogado em um dos nove emails encaminhados à OAB, desde maio deste ano.
Nos emails compartilhados por Renor para a elaboração desta matéria, a OAB apenas reforçou que "a demanda foi direcionada ao Conselho Pleno da Entidade para deliberação quanto a eventual propositura de Ação sobre o tema".
Resposta da OAB
A Gazeta do Povo entrou em contato com a OAB para saber como irão proceder em relação aos apontamento de advogados que não correspondem às informações dadas por Moraes.
No ofício enviado ao ministro Alexandre de Moraes, o presidente da OAB, Beto Simonetti, diz ter pedido que fosse liberado acesso integral aos autos processuais para os advogados de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) investigados por Moraes.
Ao ser questionada sobre a insatisfação dos advogados, a assessoria da OAB quis saber o nome dos advogados e as dificuldades que foram relatadas. Em resposta à reportagem, informou que o advogado Renor não consta da lista de pedidos publicada pelo ministro e que, no caso do Grigolette, consta que o acesso foi concedido.
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