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Advogados questionaram afirmações do presidente da OAB em exercício, Dr. Rafael Horn, em entrevista à Gazeta do Povo. Ele permaneceu no cargo até 20 de julho.
Advogados questionaram afirmações do presidente da OAB em exercício, Dr. Rafael Horn, em entrevista à Gazeta do Povo. Ele permaneceu no cargo até 20 de julho.| Foto: Divulgação/OAB e Kêyla Xavier/OAB

Após o presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rafael Horn, conceder entrevista à Gazeta do Povo, advogados questionaram as respostas. Segundo a classe, é um “equívoco técnico” falar em habeas corpus (HC) — ação judicial que garante liberdade diante de prisão ilegal — para tratar excessos cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pois os magistrados não aceitam essa medida contra decisão de ministros.

Os juristas também criticaram o posicionamento da entidade a respeito de violações de prerrogativas serem estratégia de defesa. A afirmação foi feita quando o presidente em exercício explicava o motivo de a OAB não agir de ofício. "Muitas vezes, é interessante para o advogado ter a prerrogativa violada porque aquilo pode gerar nulidade no processo e absolver seu cliente", afirmou Horn.

“Desculpe, mas essa não é a advocacia que eu aprendi; não é”, rebateu a advogada Fabiana Barroso, especialista em Direito Tributário e comentarista do programa Fora dos Autos. “Pela ética da advocacia, se você tem uma nulidade, deve apontar desde o começo”, continuou.

O professor de Direito Digital Emerson Grigollette também questionou a manifestação do representante da OAB, acrescentando que “violação de prerrogativa é crime”, conforme estabelece o artigo 43 da Lei 13.869/2019, com detenção de três meses a um ano, e multa.

“Ou seja, quando ele fala que violar prerrogativa pode ser bom, está falando também que cometer um crime é bom, e isso é atentar contra a sociedade e contra o Estado. Não tem cabimento”, indigna-se, citando que “milhões de reais foram gastos nesses processos com buscas e apreensões, movimentações da Polícia Federal (PF) e a paralisação de boa parte das atividades do Supremo”.

Além do problema jurídico que envolve o posicionamento da OAB, o advogado Ezequiel Silveira, que representa dezenas de presos do 8 de janeiro, explicou que os casos estão sendo julgados em última instância e quem poderia decretar nulidades realizadas pelo STF seria a própria Corte.

“Então, por razão de coerência, isso não ocorrerá”, expôs, ao acrescentar que já abriu mais de 10 protocolos solicitando ações da Ordem em relação ao cerceamento de defesa que tem enfrentado e às demais violações de prerrogativas, como impossibilidade de realizar sustentação oral e de acessar o gabinete do ministro Alexandre de Moraes. “A maioria deles não foi respondido, e nenhum dos problemas foi solucionado”, revela.

“No dia 15 de dezembro de 2023, por exemplo, procurei a OAB porque dois dias antes estive no STF e fui informado de que o referido ministro não recebe advogados”, relata, ao questionar trecho da entrevista concedida pelo Dr. Rafael Horn sobre direito de a defesa “ter acesso aos autos e acesso à autoridade”.

De acordo com o presidente interino — que esteve à frente da OAB até 20 de julho —, ao receber essas denúncias realizadas pelos advogados, a Ordem faz contato com a parte contrária e, “muitas vezes, a situação já é corrigida”. No entanto, Silveira aponta que o protocolo citado por ele só teve resposta seis meses depois, em 20 de junho de 2024, e que esse retorno foi para solicitar documentos que comprovassem a negativa, sem que lhe dessem tempo suficiente para envio.

“A ocorrência foi simplesmente encerrada em três dias”, denuncia o advogado, citando também outro protocolo do último dia 13 de maio a respeito de o ministro “se negar a intimar testemunhas de defesa nos casos dos réus do 8 de janeiro”.

De acordo com Silveira, que representa a Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav), nenhuma providência foi tomada, e o pedido ainda não foi respondido, apesar de o Dr. Rafael Horn afirmar que, “se houver recusa plena de provas irrefutáveis, o advogado pode entrar em contato com a OAB”.

Advogados questionam fala a respeito de habeas corpus

Outro questionamento dos juristas é a respeito de medidas como habeas corpus (HC) que, segundo Horn, deveriam ser impetradas nos casos de prisões preventivas que excedem o prazo legal. Na entrevista foram citados como exemplos os casos do ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, preso há cinco meses; do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, preso há 11 meses; e de réus do 8 de janeiro como o mecânico gaúcho Gilberto da Silva Ferreira, preso sem denúncia por um ano e quatro meses.

“No primeiro ano de Direito se aprende que o HC é o remédio constitucional contra arbitrariedades. Só que isso não será recebido no Supremo”, diz a advogada Fabiana Barroso, ao esclarecer que os ministros do STF desconsideram essa medida por conta da Súmula 606, de 1984, que não aceita HC em decisão de outro ministro. “Ainda que esse entendimento seja anterior à nossa Constituição Federal, que é de 1988”, aponta.

Para o advogado Gabriel Quintão Coimbra, que representa presos como o jornalista e advogado Jackson Rangel — encarcerado por mais de um ano, sem denúncia, por supostas críticas ao STF —, a situação torna os réus “reféns do ministro”. Afinal, “Moraes não é questionado no colegiado, exceto por agravo regimental, onde controla o tempo da pauta e continua relator do recurso”, explana.

No caso de seu cliente, Coimbra explica que os agravos da defesa e da Procuradoria-Geral da República (PGR) ficaram engavetados por mais de um ano, e seguem sem julgamento. “Moraes negava todos os pedidos alegando ausência de fato novo nas investigações e, em dezembro de 2023, concedeu liberdade provisória, com o procedimento do mesmo jeito que estava quando negava”.

Coimbra menciona que denunciou os fatos à Ordem logo após a prisão, em dezembro de 2022, mas não teve auxílio efetivo. Segundo ele, “Moraes trata a Ordem com desprezo por saber que a entidade não irá enfrentá-lo”. Infelizmente, “a OAB da época da ditadura e o perfil de juristas daquela época não existem atualmente”, compara.

OAB diz não concordar com a postura do Supremo, mas permite que ela ocorra, afirmam advogados

Para o advogado Ezequiel Silveira, essa mudança na postura da OAB fica evidente na entrevista concedida à Gazeta do Povo, pois, em diversas situações, o presidente em exercício afirmou que a entidade não concorda com atitudes do STF, porém, sem apontar movimentações da Ordem que pressionem o poder judiciário a cumprir a lei e a Constituição.

Segundo Silveira, a OAB pode, por exemplo, sugerir impeachment de ministro do Supremo, realizar desagravo público de advogados e apoiar a anistia de presos do 8/1. “Se não o faz é por covardia, conivência ou conveniência”, declara, informando, inclusive, que solicitou formalmente à Ordem ações sobre a incompetência do juízo do STF para julgar pessoas sem foro privilegiado.

O envio ocorreu após o presidente interino tratar a situação como “a maior crítica do sistema OAB” e defender que os casos referentes ao 8 de janeiro saiam do Supremo. “O STF não tem estrutura para atender demandas em massa como essa. Isso é missão para o primeiro grau, que tem capilaridade maior e consegue fazer mutirões", disse.

Procurado pela reportagem a respeito da solicitação, o Conselho Federal da OAB confirmou que o pedido foi recebido via sistema de ouvidoria na última terça-feira (23), e “encontra-se sob análise do setor”.

A Gazeta do Povo também enviou os demais questionamentos dos advogados à Ordem, e o espaço segue aberto para resposta.

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