A agenda cultural do novo governo Lula deve ser diferente da adotada pelo petista em seus mandatos anteriores. Quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse na Presidência da República, em 2002, o show organizado pelo PT na Esplanada dos Ministérios tinha como atrações principais Zezé Di Camargo e Luciano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Zeca Pagodinho. Eram artistas que, embora tenham feito sucesso comercial, representavam elementos tradicionais da cultura brasileira.
Logo em seguida, à frente do Ministério da Cultura no primeiro mandato petista, Gilberto Gil daria atenção a grupos de expressões culturais tradicionais, como o frevo e o maracatu. Havia uma certa preferência por grupos de esquerda na distribuição dos recursos, mas ao pelo menos a conexão com a cultura popular brasileira era evidente.
De lá para cá, muita coisa mudou.
Em 2022, as atrações principais do show da posse de Lula foram Pabllo Vittar, Valesca Popozuda e Duda Beats – artistas que não demonstram qualquer apreço especial pelas raízes culturais brasileiras e que parecem imitar grandes artistas pop globais em sua exaltação rasa da sexualidade.
Pelo simbolismo, o show da posse é um indicativo do tipo de política cultural a ser priorizada pelo novo governo. E o sinal dado pela nova gestão Lula é muito diferente do de 20 anos atrás. A expectativa é de que a política cultural do terceiro governo Lula já não dê tanta atenção à cultura tradicional brasileira e que priorize, em vez disso, as chamadas pautas identitárias – o apego a temas como a identidade sexual e racial acima do valor estético ou cultural propriamente dito.
A transição rumo a essas pautas, deixando em segundo plano as manifestações tradicionais, se acentuou durante o governo Dilma, conforme a esquerda brasileira comprava pautas da esquerda global.
O sociólogo e escritor Eduardo Matos Alencar afirma que, nos últimos anos, o PT deixou de lado a promoção da cultura orgânica com raízes nacionais em favor de um entretenimento alimentado pela indústria cultural e marcado pelo identitarismo. A cultura sem marcas ideológicas perdeu espaço.
“Há 20 anos o PT se colocava para a sociedade brasileira numa chave de busca de autenticidade. Era um partido que tentava resgatar aquilo que seria mais genuinamente a cultura nacional em detrimento da cultura de mercado”, diz Alencar. Agora, afirma ele, a chamada cultura woke tomou o espaço. E, com ela, valores estéticos e ideológicos que não têm origem no Brasil. O sociólogo lamenta: "O mote da cultura woke é 'você não me reconhece por aquilo que eu sou', geralmente se referindo a hábitos sexuais, forma de se vestir, etc, e não temas mais profundos da vivência de um povo. A cultura tradicional expressa temas que vão além" , explica ele.
O cineasta Josias Teófilo chama atenção para o fato de que a cerimônia de posse como um todo foi usada para a promoção das pautas identitárias. "A radicalização ficou evidente, tanto na passagem da faixa, em que representantes de grupos identitários entregaram para o presidente, quanto no show em si", ele diz. Ele lembra que, no primeiro governo Lula, a postura era diferente. "Gilberto Gil reproduzia nos seus discursos a ideia de democracia racial, que remonta a Gilberto Freyre. Hoje isso seria impensável. Os identitários se voltam hoje em dia especialmente contra Freyre", afirma.
Risco de perseguição
Para André Porciúncula, que foi secretário Especial da Cultura na gestão de Jair Bolsonaro, o PT perdeu a ligação com o Brasil real nas duas décadas desde a primeira posse de Lula. “O Lula de 2022 é uma coisa completamente diferente. Ele já não consegue se conectar com a população comum do país, com seus valores e sua cultura”, afirma. Na avaliação dele, a política cultural do novo governo Lula será claramente ideológica.
Porciúncula acredita que a agenda cultural do novo governo Lula tende a desprezar artistas que não se alinhem com a nova ortodoxia progressista. "Tenho certeza disso. Os sertanejos serão os mais perseguidos. Já vimos isso no ano passado, quando começou uma caça às bruxas nas prefeituras visando a acabar com a contração de shows de artistas sertanejos não alinhados a extrema-esquerda", diz. Agora, a perseguição só tende aumentar, na opinião de Porciúncula.
Direita não foi capaz de ocupar espaço
O domínio da esquerda mais radical na cultura também pode ser explicado, em parte, pela falta de interesse da direita em tratar o assunto com a atenção devida. “A direita precisa se reencontrar com o povo. Não dá mais para manter-se na base do meme de internet e vídeos de YouTube”, diz Porciúncula.
Eduardo Matos de Alencar aponta que, apesar da mudança na agenda cultural de Lula e do PT, a direita não foi capaz de ocupar o vácuo deixado conforme a esquerda embarcou na causa woke. “O fato é que para além do sertanejo, essa direita nascente política nunca foi capaz de se apropriar dessas manifestações populares. O erro foi não se aproximar desses artistas”, afirma ele.
Josias Teófilo cobra uma dedicação maior dos conservadores às artes. "É preciso primeiro começar a valorizar a cultura – e cultura de verdade, não propaganda", afirma. Para Teófilo, parte da solução passa por enfrentar a esquerda em seu próprio terreno: "Utilizar as leis de incentivo, conseguir empresas para utilizar as leis e financiar obras de arte - e assim ir ocupando espaços no âmbito cultural e ir inspirando novas obras".
A gestão de Lula ressuscitou o Ministério da Cultura, que havia sido transformado em Secretaria na gestão de Michel Temer e mantido assim por Jair Bolsonaro. A pasta será chefiada por Margareth Menezes.
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