Ele nunca teve muita sorte com as escolas que freqüentou. Foram apenas três anos estudando porque o primeiro imóvel que abrigava os alunos na comunidade em que vivia caiu com a força do vento. O segundo pegou fogo e o terceiro a água cobriu. Mas nada disso impediu que o gaúcho José Hélio Mecca, 42 anos, se tornasse um líder. Hoje ele é um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), criado em 1989. Mecca já viajou por todo o Brasil e foi a 15 países discutir a situação das famílias que precisam deixar suas terras para a formação dos reservatórios das usinas hidrelétricas.
A história do coordenador do MAB começou no fim da década de 70 e início da década de 80. Nascido em Mariano Moro (RS), filho de pequenos agricultores, Mecca soube na época que o governo federal construiria 25 grandes hidrelétricas na Bacia do Uruguai, o que atingiria 80 municípios e milhares de famílias. Em 1984, veio o anúncio da construção das usinas de Machadinho e Itá. Essa última atingiria a família dele.
No ano seguinte, Mecca começou a militar nos movimentos sociais. As famílias de Itá e o governo federal fecharam um acordo em 1987. "Isso foi inédito no Brasil. Pela primeira vez se conseguiu fechar um acordo com o governo antes da criação da usina. Foi resultado da pressão do movimento", lembra ele.
Na negociação para resolver a situação das 3,2 mil famílias atingidas pela usina de Itá, as opções eram: troca de terra por terra, indenização em dinheiro ou reassentamento coletivo. A família de Hélio estava entre as 750 que ficaram com a terceira alternativa. Entre os anos de 1995 e 1996, famílias de três municípios gaúchos escolheram Chopinzinho (PR) para viver. Um lote ficou para Hélio, a esposa e o filho. Atualmente, as famílias da Barragem do Itá vivem em cinco reassentamentos no Paraná. Mecca continua morando no mesmo local, mas agora tem três filhos.
Uma televisão
Apesar da militância no MAB, o coordenador do movimento garante que não é contra a geração de energia, mas para ele o modelo usado no Brasil "está falido do ponto de vista da sustentabilidade". Mecca diz que é necessário que a sociedade defina que modelo de desenvolvimento quer, o que é preciso para viver. Ele, em casa, tem apenas um televisor, por exemplo, e afirma que toma todos os cuidados para economizar energia. "Não desperdiço porque sei que ali corre sangue da natureza, da terra e da gente que lutou contra o processo."
O Brasil, completa, não precisa mais gerar energia. "Não há necessidade de construir usinas nos próximos 20 anos. O Brasil tem água suficiente nas barragens para ter segurança energética." De acordo com Mecca, o setor está sucateado e se fossem feitos alguns investimentos os geradores ampliariam em cerca de 15% a 18% a sua capacidade.
Com os números na ponta da língua, o coordenador do MAB cita que os pouco mais de 1,7 mil empreendimentos construídos no Brasil já atingiram 1 milhão de pessoas, 70% delas perderam tudo o que tinham no processo de desapropriação das áreas. "O plano do governo federal é de instalar mais 1.443 usinas no país".