Há cerca de um mês, militantes vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à organização Via Campesina Brasil vandalizaram a sede da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), em Brasília. Entre as dezenas de pichações feitas no local, constavam frases com críticas ao agronegócio, tais como “Agro é morte”, “Agro é fome” e “Soja não mata a fome”.
Em nota sobre o ocorrido, o MST relacionou a fome e o desemprego no país ao agronegócio e teceu diversas críticas ao setor. As críticas, entretanto, não se sustentam: toda a cadeia produtiva do setor, desde a produção agrícola à distribuição, gera milhões de empregos, atrai bilhões de dólares ao país e abastece as demandas de alimentos do mercado interno, tornando o segmento essencial para a economia brasileira.
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Em termos de Produto Interno Bruto (PIB), o agronegócio vem alcançando sucessivos recordes: em 2020, o setor avançou em relação a 2019, e sua participação no PIB brasileiro alcançou 26,6%. Em valores monetários, no ano passado o PIB nacional totalizou R$ 7,45 trilhões, sendo a participação do agronegócio equivalente a R$ 2 trilhões. Em outras palavras, mais de ¼ de tudo o que o Brasil produziu está relacionado ao agronegócio.
Em termos de geração de empregos, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2016, o agronegócio era a fonte de renda de 30,5 milhões de pessoas no Brasil, sendo 13 milhões (42,7%) diretamente em atividades de agropecuária; 6,43 milhões (21,1%) no comércio agropecuário; 6,4 milhões (21%) na prestação de serviços; e 4,64 milhões (15,2%) na indústria.
O setor também foi um dos que se recuperaram mais rápido durante a pandemia. Em 2020, o agronegócio brasileiro obteve o melhor resultado na criação de empregos nos últimos dez anos, gerando 61,6 mil vagas de trabalho.
Além de abastecer o mercado interno com a produção de alimentos, o agronegócio também ocupa a liderança mundial na exportação de diversos produtos – em 2020, foi responsável por 48% das exportações totais, gerando uma entrada de R$ 100,8 bilhões de dólares ao país.
“No ano passado, o saldo comercial do agro teve mais de 80 bilhões de dólares positivo, enquanto o saldo de outros setores foi negativo. Então, houve um déficit entre os outros setores, de modo que o saldo comercial do Brasil só foi positivo por conta do setor”, diz Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2003 e 2006, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Quanto aos impactos ambientais das atividades agropecuárias, há anos o setor tem empenhado esforços em medidas para reverter a imagem negativa ligada principalmente ao desmatamento e a queimadas apostando em novas tecnologias e novos métodos de produção. O objetivo central é zerar o desmatamento ilegal por meio do aumento de produtividade das áreas atualmente disponíveis para plantio e pecuária.
Panorama do agronegócio
“Quando se fala em agropecuária, abrange o chamado ‘dentro da porteira’, que é o produtor rural, agrícola e pecuário. Já quando falamos do agronegócio é um conceito mais amplo, e aí entra desde a produção de insumos agropecuários até o ‘depois da porteira’, que é a indústria, a distribuição, o setor de serviços e tudo o mais”, explica Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O setor engloba tanto os pequenos produtores, que desempenham uma parcela bastante significativa da produção agrícola do país, como também produtores médios e grandes. A tecnologia no campo tem alcançado grande parte dos trabalhadores do campo, dos mais diversos portes. Além disso, as empresas do agro costumam trabalhar em parceria com os produtores menores por meio do cooperativismo. Com isso, os produtores têm maior acesso à tecnologia e suporte na gestão das atividades, bem como maior facilidade no escoamento da produção.
“Tanto o pequeno quanto o grande produtor têm sua importância para abastecer o Brasil e o mundo na produção de alimentos. É uma conexão muito grande entre pequenos e grandes produtores, que fazem do setor agropecuário essa potência”, diz Conchon.
Ainda há, no entanto, uma parcela ampla de pequenos produtores que não possuem acesso à tecnologia, a técnicas de melhoria na produtividade de suas propriedades e a mecanismos de gestão. “O que diferencia é esse acesso à tecnologia, à informação, e, portanto, ao mercado. É isso o que leva o produtor rural a condições competitivas, mas infelizmente é algo que nem todos ainda têm acesso”, explica Rodrigues.
Papel na segurança alimentar
Nas últimas quatro décadas, o agronegócio brasileiro passou por uma verdadeira revolução por meio da pesquisa científica – sobretudo a partir da criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) –, de novos métodos de produção e de novas tecnologias para o campo. Isso tornou o país um dos principais produtores de alimentos do mundo e, consequentemente, um importante fornecedor de segurança alimentar.
O Brasil é, atualmente, o maior exportador mundial de café, suco de laranja, açúcar, complexo soja (grão, óleo e farelo), além das carnes de frango e bovina. O país também ocupa a segunda posição mundial na exportação de milho, a terceira em algodão e a quarta em carne suína.
Produzindo cada vez mais, o setor reduziu significativamente o preço da alimentação. Conforme explica Antônio Galvan, presidente da Aprosoja Brasil, a redução do preço dos alimentos nos últimos anos se deve à produção em larga escala com o apoio da tecnologia. “Assim como ocorre em outras atividades industriais – porque a nossa não deixa de ser uma indústria a céu aberto –, quando se moderniza a produção por meio da tecnologia é possível baratear os produtos. Dizer que o ‘agro é fome’ é usar um jargão que não tem o mínimo de coerência”, aponta.
Galvan cita, ainda, que há produtos agropecuários que não são usados somente ou diretamente para a alimentação. “Do grão de soja, por exemplo, alimenta-se os animais, que futuramente vão chegar à mesa. Sem contar o uso na produção de biocombustíveis, cosméticos, remédios... Tem também a questão do óleo de cozinha: o óleo vegetal mais consumido no país vem da soja, e isso porque é o mais barato, justamente porque é produzido em larga escala”.
Desafios na sustentabilidade
Conforme explica Roberto Rodrigues, há dois temas em alta nos quais a agropecuária está diretamente envolvida – a segurança alimentar (principalmente devido à pandemia, uma vez que diante da redução dos estoques globais de alimentos, a demanda cresceu e os preços subiram) e a sustentabilidade, mais especificamente em relação ao papel da atividade no aquecimento global.
A 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26) trouxe o assunto à mesa, e o Brasil se comprometeu com diversas metas ambientais. Dentre elas, a redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030; redução de 30% na emissão de metano até o fim desta década; e apoio à declaração internacional de líderes mundiais para preservação das florestas e redução do desmatamento e da degradação dos solos também até 2030.
De acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, a agropecuária brasileira avançou muito nos últimos anos no aspecto ambiental. Além das tecnologias que permitem aumento da produtividade sem ampliar as áreas de cultivo, a própria legislação avançou – as leis brasileiras que abrangem a atividades têm freado ações ilegais principalmente relacionadas ao desmatamento.
Porém, ainda há ações ilegais. Conforme explica Rodrigues, os primeiros interessados em combater essas ilegalidades são os próprios produtores rurais e demais profissionais do setor, uma vez que a melhora da imagem do país no exterior pode contribuir para a melhora nos volumes de exportação.
“Nossa agricultura é a mais sustentável do mundo, mas temos problemas e temos que corrigi-los. Desmatamento ilegal na Amazônia, incêndios, invasões de terras, grilagem são problemas que têm que ser resolvidos. Precisamos combater a ilegalidade a todo custo, aplicar o Código Florestal integralmente, resolver a questão fundiária e resolver essas ilegalidades para termos uma imagem mais limpa perante o mundo todo”, afirma.
Conchon, por outro lado, destaca que o setor, com o uso de tecnologias e novos métodos de produção, tem conseguido alcançar produtividade muito maior mesmo em áreas menores, o que faz com que não seja necessário ampliar as áreas de plantio no país por meio do desmatamento.
“Estamos vendo produções cada vez maiores em áreas menores por investimento em tecnologia, como sementes e insumos mais produtivos. Com vários desses pacotes de tecnologias no campo você consegue fazer a retenção de carbono, a retenção de água, e uma otimização de todos os processos produzindo mais em uma mesma área e usando a mesma quantidade de recursos”, explica o economista da CNA.
Rodrigues ressalta que o crescimento da produtividade em pastagens, com muito mais produção de carne por hectare do que no passado, está liberando cada vez mais áreas de pasto para a agricultura. “Não precisa desmatar mais nada, a área de pasto permite um crescimento espetacular para a agricultura. Então estamos avançando muito em áreas plantadas com produtos alimentícios a partir de pasto e não com desmatamento, o que é muito relevante no âmbito da sustentabilidade”.
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