O advogado-geral da União, Jorge Messias| Foto: José Cruz/Agência Brasil.
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A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para participar de dois julgamentos contra o Facebook e a Google que, na prática, podem resultar na imposição de uma regulação às redes sociais sem a necessidade da aprovação do chamado “PL das Fake News”.

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Uma das ações trata de um pedido de uma professora para que a Google Brasil exclua uma comunidade do Orkut que, segundo a autora, foi criada apenas veiculação de comentários ofensivos contra sua pessoa.

A outra ação se refere a um pedido de indenização por danos morais contra o Facebook feito por uma usuária da rede social que reclama de postagens feitas em um perfil falso que utiliza o seu nome.

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De acordo com o pedido, as publicações estariam prejudicando a imagem da reclamante.

As empresas foram condenadas em instâncias inferiores

No primeiro caso, o juízo de primeira instância julgou procedente o pedido da professora e determinou a exclusão da comunidade do Orkut e o pagamento de indenização.

A decisão foi confirmada pela Primeira Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

No segundo caso, o Juizado Especial Cível e Criminal do Foro de Capivari (SP) julgou parcialmente procedente o pedido da usuária do Facebook e determinou a exclusão do perfil falso.

A decisão foi confirmada pela 2ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Federais de Piracicaba, que determinou também o pagamento de indenização.

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As empresas recorreram das decisões 

A Google disse que a exclusão da comunidade do Orkut representaria uma violação às garantias constitucionais de liberdade de expressão e ao direito à informação, “previstas nos arts. 5º, incisos II, IV, IX, XIV, XXXIII e XXXV, e 220, §§ 1º, 2º e 6º, todos da CRFB/88”.

Já o Facebook disse que a decisão da Justiça viola o Marco Civil da Internet e implica em risco de censura na rede e restrição de liberdades de usuários.

Ao admitir o recurso do Facebook, o STF reconheceu a “discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 [Marco Civil da Internet] que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros".

O artigo 19 do Marco Civil da Internet diz que as empresas de tecnologia só podem ser punidas por uma postagem ofensiva – pagando indenização à vítima da ofensa –, caso descumpram uma ordem judicial de remoção daquele conteúdo. 

Significa que caberá ao juiz, após ser acionado pela vítima, averiguar se de fato determinada postagem viola a honra ou a imagem da pessoa ofendida. 

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O objetivo da norma é proteger a liberdade de expressão e reservar ao Judiciário o papel de avaliar se publicações feitas pelos usuários das redes são ou não ilícitas.

STF tem sido provocado a expandir aplicação do artigo 19 do Marco Civil

Como mostrado pela Gazeta do Povo, apesar clareza do Marco Civil da Internet sobre o tema, o STF tem sido provocado a determinar que, em algumas situações específicas, a plataforma também poderá responder – e portanto, ser punida – independentemente de ordem judicial caso mantenha no ar conteúdos que incentivem “atos antidemocráticos”, que representem ofensas ou supostas ameaças a autoridades e instituições; que divulguem “fatos sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados” sobre o processo eleitoral; que contenham “discursos de ódio”, que promovam racismo, homofobia, preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade; bem como divulguem ideologias “odiosas”, como nazismo e fascismo.

Esses termos, apesar de vagos, já vêm sendo usados pelo ministro Alexandre de Moraes como base para remover, mediante provocação ou mesmo por sua própria iniciativa, postagens que ele considera ilícitas, ou “contrárias ao Estado Democrático de Direito”, no âmbito dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, focados sobretudo em investigar políticos, influenciadores e jornalistas de direita e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

AGU defende “atuação proativa” das plataformas para remoção de conteúdo

Ao endossar a pressão contra as plataformas no pedido enviado ao STF para atuar como amicus curiae, a AGU disse que “nas situações em que há uma clara colisão de direitos fundamentais, como a segurança e a privacidade de menores de idade, a atuação proativa das plataformas é essencial” e que “o mesmo vale para as situações que configuram crimes eleitorais”.

“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo”, afirmou a AGU. 

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“Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”, completou.

Em outro trecho, a AGU disse que “o equilíbrio entre a liberdade de informação e a necessidade de proteger a sociedade contra a desinformação é delicado” e que “a censura e o controle excessivo podem suprimir a liberdade de expressão e restringir o acesso à informação”.

Apesar dos alertas, a AGU sustenta que, “no contexto digital, a necessidade de regulamentação se intensifica, já que a internet ampliou exponencialmente a capacidade de disseminar tanto informações valiosas quanto conteúdos prejudiciais”.

O pedido da AGU foi enviado ao STF na segunda-feira (9).

PL das Fake News

Em maio deste ano, após pressão de diversos setores da sociedade, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu adiar a votação do Projeto de Lei 2630/2020, chamado de PL das Fake News.

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Na época, o presidente da Câmara tentava, junto com a base governista, costurar acordos para que o projeto fosse votado. Lira é favorável ao projeto.

Juristas consultados pela Gazeta do Povo demonstraram preocupação com diversos pontos do projeto de lei.

Alertas

Em primeiro lugar, o projeto obriga as plataformas a serem mais proativas em derrubar certos conteúdos considerados ilícitos. 

Diante da imposição de maior responsabilização às redes sociais – principal novidade da proposta –, as empresas donas dessas plataformas ficariam obrigadas a se estruturar para agilizar a remoção de conteúdos publicados por terceiros, o que acrescentaria uma camada de censura àquela que já vem sendo imposta pelo Judiciário brasileiro nas redes sociais.

Os juristas também criticaram a falta de abertura ao debate e o açodamento na tramitação do projeto, que ainda não foi devidamente discutido por todos os setores da sociedade.

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Outro problema apontado é a entrega do monopólio da verdade ao Estado, que teria maior poder sobre as redes sociais.

O projeto também concede privilégios aos grandes meios jornalísticos em detrimento das redes sociais. Com isso, um dos grandes benefícios trazidos pela internet – a democratização no consumo e na produção da informação – poderia ser diminuído com a sua aprovação.

Outra controvérsia do PL das Fake News é o uso excessivo de expressões abertas e imprecisas, que podem dar vazão a decisões autoritárias, e a falta de definição clara de que órgãos seriam responsáveis por garantir o cumprimento de cada dispositivo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]