Índia da aldeia guarani Tekoa Ka’aguy Ovy Porã, em Maricá/RJ, recebendo vacina contra a Covid-19| Foto: Marcos Fabrício/Prefeitura de Maricá
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A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma manifestação contrária à ação ajuizada pelo Partidos dos Trabalhadores (PT) e a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) que tenta impedir, pela Covid-19, a permanência de missões religiosas em territórios indígenas. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.622 tem por relator o ministro Luís Roberto Barroso.

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Na ação, contra a Presidência da República, o PT e a Apib argumentam que a Lei 14.021, de 7 de julho de 2020, que trata das medidas de proteção social contra a Covid-19 em territórios indígenas, teria ferido a Constituição ao permitir, em seu artigo 13º, a permanência de missões religiosas nessas comunidades, principalmente no caso de índios isolados. Dessa forma, na opinião do PT e da Apib, com a desculpa de "liberdade religiosa" o governo não estaria respeitando as características desses povos, além de colocá-los em risco sanitário.

Em resposta, a AGU disse que os autores da ação teriam construído seus argumentos sobre um "antagonismo fictício" entre dois direitos fundamentais, o direito à saúde e à liberdade religiosa. E, para fundamentar seu argumento, lembra que o artigo 13º da lei dá permissão de permanência nos territórios indígenas apenas "àquelas missões de cunho religioso que já estivessem nas comunidades", desde que "se submetessem compulsoriamente à avaliação de equipe de saúde e obtivessem o aval do médico responsável".

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"Partindo da premissa de que a norma cuida apenas das missões que já estavam nas comunidades (o verbo utilizado é permanecer, que guarda sinonímia com continuar, ficar, conservar), obviamente perdem o sentido lógico todas os argumentos invocados pela parte autora relacionados à conceituação de povos indígenas isolados, bem como à característica do 'não contato'. É que, como se intui, tudo isso havia sido sopesado, sem que constituísse qualquer obstáculo, no momento em que legitimamente se permitiu, antes da pandemia, obedecendo aos requisitos necessários a tanto, o ingresso dessas missões nas comunidades", escreveu a AGU em sua manifestação (os negritos são do original).

A AGU lembra que as comunidades que abriram suas portas antes da pandemia para interagir com missões religiosas abdicaram voluntariamente do isolamento absoluto. "Nessa perspectiva, é igualmente vazia de sentido", diz a AGU, "a alegação de que a presença de missionários nos territórios 'desequilibra e viola o seu direto ao usufruto exclusivo constitucionalmente garantido no artigo 231 da Constituição Federal'".

No parecer da AGU, há críticas ao PT e à Apib por utilizar em sua argumentação dados de estudos anteriores à década de 1990, a maioria do período entre 1950 e 1970, que estariam defasados com a realidade atual das comunidades indígenas. O texto traz ainda avaliação sobre o tema da Secretaria Nacional de Proteção Global.

Liberdade das comunidades indígenas

Por fim, a AGU lembra que, caso a tese dos autores da ADI fosse acatada, os povos indígenas que querem interagir com as missões religiosas teriam sua liberdade confiscada.

"[S]urge nítido que a pretensão vertida neste feito, caso acolhida, conspurcaria irremissivelmente o direito à liberdade ostentado por uma determinada comunidade indígena. Ela - e não a parte autora - titulariza o direto de abrir-se ou não ao recebimento de missões de caráter religioso ou a quem quer que seja", escreveu a AGU. "É extreme de dúvidas a possibilidade de os indígenas manterem as próprias crenças. No entanto, igualmente induvidosa a autonomia das comunidades de conhecerem outras, uma vez que a liberdade constitui direito intangível", continuou.

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A AGU citou ainda o artigo 8º da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas (OIT169), que garante a essas comunidades o direito de preservar seus costumes e também de que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos aos cidadãos do país com liberdade. "[D]everão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural".

Leia a íntegra da manifestação da AGU:

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]