Em pouco mais de três meses, o programa audiência de custódia analisou 144 casos de prisões em flagrantes em Curitiba. O número é pequeno se comparado com outras capitais, mas é explicado principalmente porque a iniciativa começou sem ter sido concluída a reforma no presídio do Ahú, que será a sede das audiências na capital. Em razão disso, apenas casos do 1.º Distrito Policial (DP) de Curitiba estão sendo atendidos e somente pela 14.ª Vara Criminal. Essa área judicial acumula sua rotina normal, com processos regulares e as audiências de custódia.
Até o final de novembro isso deve mudar. O Paraná será o primeiro estado do país com local exclusivo para receber esse tipo de procedimentos. Isso deve aumentar a quantidade de audiências realizadas na capital que, como comparação, é pequeno. Segundo o site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Goiânia, por exemplo, foram realizadas quase seis vezes mais audiências (700) e num período menor, de quase dois meses.
Presos recebem ajuda de custo para voltar para a casa
Ao iniciar as audiências de custódia em Curitiba, a juíza da 14ª Vara Criminal de Curitiba, Fabiane Pieruccini, não esperava ter que administrar uma necessidade inusitada. Ela precisa ter um “caixinha” para “pagar para os presos irem embora”. Depois de liberados, muitos deles não têm dinheiro sequer para pegar ônibus. “Tenho um caixinha para ajuda-los”, comentou. Às vezes, o valor dado é de R$ 10 ou só o valor da passagem. Até uma sacola com sapatos e chinelos tem participação nos procedimentos, pois muitos dos presos chegam descalços.
No começo, o material era bancado com dinheiro do próprio bolso da magistrada. Mas o recurso se tornou tão necessário que o Conselho da Comunidade de Curitiba – entidade ligada à Vara das Corregedorias dos Presídios – tem ajudado com verba.
Apesar do número reduzido, o programa tem demonstrado alcançar seu objetivo. Lançado em julho em Curitiba, com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, projeto registra que 58% das audiências terminaram com a decisão de soltura do detido em flagrante, com determinação de medida alternativa à restrição de liberdade – uso da tornozeleira ou comparecimento periódico em juízo, por exemplo –, enquanto os outros presos acabaram sendo mantidos encarcerados. Em Goiânia, o porcentual de solturas tem sido o mesmo.
O objetivo da audiência de custódia é que todo preso em flagrante passe por um procedimento com a presença de um juiz, promotor e um defensor em até 24 horas após a prisão. A ação tem sido uma proposta do CNJ para tentar desafogar o sistema penitenciário, que sofre com o alto número de pessoas presas desnecessariamente. O Código de Processo Penal (CPP) já determina essas audiências, mas devido à burocracia diária do sistema, a prática não ocorria na velocidade necessária.
A primeira juíza do Paraná a atuar nas audiências é a magistrada Fabiane Pieruccini. Ela avaliou os últimos meses de forma positiva. Para a magistrada, uma das principais vantagens em atuar nas audiências é a aproximação da realidade do suspeito. Muitas vezes, conta ela, o juiz arbitra uma fiança que o acusado sequer pode pagar. Hoje, analisando de perto a necessidade da manutenção dos flagrantes, isso muda.
“Humaniza, aproxima da realidade e é efetivo (o programa)”, disse, em entrevista na Vara de Execuções Penais, ao lado do magistrado Eduardo Fagundes e dos desembargadores Ruy Muggiati e Laertes Ferreira Gomes e do diretor-adjunto do Departamento Estadual Penitenciário, Cezinando Paredes, todos envolvidos com o programa de audiências de custódia.
De acordo com Fabiane, a audiência tem se mostrado eficiente tanto na chegada do preso, com apoio da polícia, como no procedimento em si. Tem sido rápido e tem confirmado que a maioria das pessoas detidas está na faixa de extrema pobreza. “Outro dia perguntei sobre a residência de dois detidos e um disse que morava no viaduto do Capanema e o outro embaixo da marquise de um banco”, comentou.
Outro ponto importante citado por ela é a redução de denúncias de abuso policial. A juíza explicou que, até agora, não houve nenhuma acusação dos presos nesse sentido. Como os policiais agora são obrigados a levarem todos os presos em flagrantes até ela, parece que há uma espécie de autocontrole em relação ao uso da força, pelo menos no Centro de Curitiba, área atendida pelo 1.º DP.
Programa caminha também no interior do estado
Nos primeiros três meses, Londrina registrou 94 audiências, sendo que 59 delas foram convertidas em prisão e 35 em medidas alternativas com a soltura do acusado.
Na última semana, o programa foi lançado em Cascavel. Foz do Iguaçu também começou com o programa recentemente, mas ainda não há um balanço.
Roubo, furto e tráfico
Esses são os principais crimes pelos quais as pessoas foram detidas e levadas à audiência pelos policiais do 1.º DP. Apesar disso, segundo a juíza, é preciso ponderar, pois a maior parte desses delitos foi cometida com pouquíssima agressividade. “A maioria não usou armas de verdade”, explicou a magistrada. De acordo com ela, a polícia tem cumprido seu trabalho ao prendê-los em flagrante. “Muito morador de rua é egresso do sistema penitenciário”, relatou Fabiane.
Mutirões devem continuar
Mesmo com as audiências de custódia sendo instituídas em todo estado, os mutirões não devem desaparecer. Isso porque o ritmo de prisões é tão alto que é preciso unir instrumentos como mutirões carcerários, audiências de custódia e mudança de cultura da Justiça para equilibrar o sistema de entrada e saída dos presídios. Os magistrados ressaltam ainda que nenhum preso é solto sem ter direito. São liberados de acordo com a lei.
Desembargador espera que cultura do encarceramento mude no PR
O coordenador do programa audiências de custódia pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), o desembargador Laertes Ferreira Gomes afirmou que espera que o projeto ajude a mudar a cultura do encarceramento no estado. Por isso, em Curitiba, assim que a reforma do presídio do Ahú ficar pronta, haverá um rodízio de magistrados para participar das audiências.
A magistrada da 14ª Vara Criminal, Fabiane Pierucci, afirmou que deve haver resistência. “Com certeza ainda tem resistência, mas agora podemos mostrar que os resultados já são positivos. Os juízes vão começar a mudar”, afirmou.
No 1º Distrito Policial (DP), a mudança já aconteceu. Segundo ela, a unidade chegou a registrar quase 100 presos, mas recentemente havia apenas nove. O número varia de acordo com o remanejamento das outras unidades superlotadas e número de prisões diárias.
No sistema penitenciário, o impacto também foi sentido, segundo o diretor-adjunto do Departamento Estadual Penitenciário, Cezinando Paredes. “Normalmente todos esses presos (os 144) já estariam no sistema”, citou.
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