Se o prefeito eleito Rafael Greca (PMN) estiver certo e o dinheiro prometido pelo governo federal para a construção do metrô de Curitiba for mesmo “história da carochinha”, estará encerrada – ao menos por ora – a epopeia em que se transformou a implantação do modal de alta capacidade no transporte público de Curitiba.
INFOGRÁFICO: Custos do metrô atualizados pela inflação
O Ministério das Cidades, responsável pelo convênio que garantiria R$ 1,8 bilhão do governo federal ao metrô de Curitiba, não desmente o prefeito eleito. Procurado pela reportagem, o órgão não confirmou se há recurso disponível para a obra.
Primeiro projeto de Metrô
Em setembro de 1969, quando a prefeitura estava sob o comando de Omar Sabbag, foi publicado o título “Metrô - Estudo Preliminar do Sistema Integrado de Transporte de Massa de Curitiba”. Entre outros técnicos, o arquiteto Jaime Lerner compunha o grupo responsável pela elaboração do trabalho. O projeto, todo datilografado, tem 138 páginas e prevê um sistema sobre pneus, com alguns trechos subterrâneos, outros ao nível do solo e alguns elevados. O estudo também previa a integração com o sistema de ônibus. O traçado inicial ia do Capão Raso até o Santa Cândida, passando pelo Centro de Curitiba.
Para além da frustação dos curitibanos, que há tempos escutam promessas sobre o novo modal, nos últimos 15 anos, o metrô já consumiu mais de R$ 23,3 milhões em recursos públicos – em valores atualizados pela inflação – apenas em projetos e estudos. E, embora já tenha tido até uma logomarca , o metrô nunca foi além de um projeto.
A maior parte desse montante foi dispendida pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) em 2002 – R$ 6,9 milhões, em valores da época, ou R$ 16,4 milhões já contado o reajuste da inflação. O dinheiro pagou a “contratação de projetos básicos de engenharia”, informa a prefeitura. Então comandada por Cassio Taniguhchi (DEM), a administração municipal pensava em usar o trecho urbano da BR-116 – a atual Linha Verde – para unir o Pinheirinho ao Atuba com trens elevados. A dificuldade em obter financiamento, porém, e disputas judiciais sobre a licitação mandaram o projeto para as gavetas do Ippuc.
Em 2009, sob o comando de Beto Richa (PSDB), a prefeitura aproveitou dinheiro oferecido pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU ) para reiniciar estudos de viabilidade para implantação do metrô. Daí surgiu o projeto que é a origem da proposta atual – uma linha ligando Pinheirinho ao Santa Cândida usando como base do trajeto o percurso dos ônibus expressos.
Da CBTU, uma estatal federal, vieram à época R$ 2,8 milhões. Esse dinheiro pagou R$ 2,4 milhões em “estudos e projetos de engenharia e R$ 376 mil numa avaliação de impacto ambiental, relatou a prefeitura em 2015 em resposta a pedido de informações apresentado pelo vereador Jorge Bernardi (Rede). O valor atualizado seria R$ 6,4 milhões.
Na resposta a Bernardi, a prefeitura elenca ainda um estudo complementar de impacto ambiental e seu respectivo relatório, contratados a R$ 312 mil. Na avaliação feita pela gestão Gustavo Fruet (PDT) ao vereador, esse dinheiro – acrescido de R$ 7,1 mil que o município tirou do bolso em 2009 (para fechar a conta) – seria o único prejuízo que a cidade teria se o metrô desse em nada. O cálculo da administração do pedetista não leva em conta o valor gasto em 2002 pelo Ippuc, que é vinculado à administração municipal.
Há, entretanto, outros valores a serem considerados na conta. A começar pela conclusão de que, municipal ou não, o dinheiro gasto no metrô é público. Mais: há uma série de gastos municipais difíceis de serem auferidos, como viagens de representantes da prefeitura a Brasília para tratar do projeto, horas de trabalho de servidores, além da estrutura montada para as três vindas da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) a Curitiba para anunciar a chegada de verba para o metrô.
Para urbanista, cidade não pode prescindir do modal
Curitiba “não pode se dar ao luxo de simplesmente abandonar o projeto do metrô”, adverte Carlos Hardt, arquiteto, urbanista e professor da pós-graduação em Gestão Urbana da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
“Quando se fala em metrô, fala-se em um modal de altíssima capacidade. A cidade tem sim que discutir o transporte em um modal de alta capacidade. Não pode simplesmente abandonar o que já foi discutido e investido no desenvolvimento do projeto”, critica.
Alternativas apresentadas por Rafael Greca durante a campanha, os veículos leves sobre pneus (VLP) Não substituem o metrô, explica o urbanista.
“O VLP pode ser interessante para algumas rotas e funções. Mas, por si só, não supriria a alta demanda que temos em alguns corredores. Pode ser estudado complementarmente ao metrô, o a algo equivalente”, afirma.
Hardt cogita que o longo tempo e os transtornos que uma obra como a do metrô geraria podem explicar porque políticos resistem a colocar em prática o projeto. “Não é uma obra para ele mesmo inaugurar, principalmente se tiver um mandato só. Há impactos financeiros e na vida da cidade. Certamente, acho que faz parte do cardápio de desincentivo a determinados prefeitos de não levarem adiante [o metrô]. Mas ele é uma necessidade que precisa ser encarada, mais dia, menos dia”, diz.
O urbanista não crê que Curitiba jamais terá uma rede de metrô comparável a de grandes cidades do mundo, por conta do alto custo da obra, mas acredita que esse não deve ser um óbice à adoção do modal. “Eixos com mais demanda podem ter linhas de metrô, que seriam complementadas por outros modais”, explica.
Há mais de 40 anos prefeitura fala em substituir BRT pelo Metrô
Discute-se a implantação do metrô em Curitiba desde muito antes de a cidade ganhar a fama de ser dotada de um sistema de transporte público exemplar. Um documento de 2013 elaborado por uma comissão formada pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT) para reavaliar o projeto relata que as primeiras discussões sobre o assunto datam “dos primórdios dos anos 1960”.
Em 1974, ao inaugurar, com a presença do presidente militar Ernesto Geisel, o sistema de ônibus expressos no eixo Santa Cândida-Capão Raso, o prefeito de Curitiba Jaime Lerner (então na Arena, atualmente sem partido) disse à “Folha de S. Paulo”, em reportagem de Paulo Markun, que a cidade decidira “dar prioridade ao sistema de transporte de massa. O primeiro passo é esse ônibus expresso”.
A reportagem afirmava que técnicos da prefeitura previam a substituição do expresso “em cinco a sete anos”, por um sistema “mais sofisticado” – “o metrô, talvez”.
Foi no início da década de 1990, porém, que veio a “primeira tentativa de viabilizar recursos para início da construção do metrô seguindo a linha do ônibus expresso do eixo Norte/Sul”, relata o documento elaborado na gestão de Fruet. Aproveitou-se, para tanto, de 100 milhões de dólares oferecidos pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). O prefeito, à época, era, novamente, Lerner.
Mas o sucessor dele, Rafael Greca, que tomou posse em 1993, renegociou o uso do dinheiro, e com ele financiou a construção de sete ruas da cidadania e a pavimentação de ruas da cidade, afirma a gestão Fruet.
“É necessário contextualizar o caso”, rebate Greca, via assessoria. “Em 1992 foi estudada novamente a possibilidade do anteprojeto Bonde Moderno, entre Santa Cândida e Pinheirinho, sobre trilhos e elétrico, com capacidade para 300 passageiros. Ele não prosperou novamente por falta de recursos financeiros”.
“Paralelamente, a Volvo lançou os biarticulados, com capacidade para 270 passageiros, que entraram em operação na nossa cidade. Em 1995 foi autorizada a operação para as ruas de cidadanias, vinculadas ao sistema de transporte coletivo, propiciando melhoria da mobilidade e acesso aos serviços públicos preferencialmente via transporte público”, prossegue o prefeito eleito.
Greca diz que não desistiu do projeto do metrô, se o dinheiro prometido pelo governo federal vier. “O Ippuc vai avaliar. O que não pode é perder dinheiro”.
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