O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, de forma sigilosa, o bloqueio do Telegram no Brasil nesta quinta-feira (17). A decisão de Moraes foi enviada ao presidente da Anatel, Wilson Diniz Wellisch, para que provedores e plataformas adotem mecanismos para inviabilizar o funcionamento do Telegram no prazo de até cinco dias. A informação, porém, vazou nas redes sociais nesta sexta-feira (18) e o ministro acabou tornando pública a decisão e abriu outro inquérito (algo que não é função do Poder Judiciário) para investigar o perfil que teria divulgado o documento enviado à Anatel. Moraes estabeleceu ainda que quem não obedecer a decisão fica sujeito a multa diária de R$ 100 mil. Até as 21h desta sexta-feira, o Telegram ainda estava em funcionamento.
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Antes da decisão de Moraes, Luís Roberto Barroso, quando era presidente do Superior Tribunal Eleitoral (STF), já tinha cogitado suspender a plataforma. Naquela momento, reportagem da Gazeta do Povo mostrou que o bloqueio de uma rede social é prática comum em países ditatoriais como Coreia do Norte, China, Cuba, Irã e Bahrein. Com isso, o Brasil é a única democracia do mundo a proibir o uso do app. Em nenhum dos casos citados a censura, a suspensão ou as ponderações sobre uma possível proibição partiram da Suprema Corte do país. O Judiciário nunca foi o caminho pelo qual o Telegram foi banido por uma nação, o que faz do Brasil um caso único no mundo. (Leia mais abaixo sobre o bloqueio do Telegram em outros países.)
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Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal (PF) e afirmou que ele se deu em decorrência da postura do Telegram de não cooperar com as autoridades policiais e judiciais no combate a diversos crimes. A decisão mencionou ainda a demora em bloquear perfis ligados ao jornalista Allan dos Santos.
"A suspensão completa e integral do funcionamento do TELEGRAM no Brasil permanecerá até o efetivo cumprimento das decisões judiciais anteriormente emanadas, inclusive com o pagamento das multas diárias fixadas e com a indicação, em juízo, da representação oficial no Brasil (pessoa física ou jurídica)", afirmou Moraes na decisão.
Entre os crimes citados pelo ministro que seriam praticados no Telegram estão a disseminação de discurso de ódio e pornografia infantil - o que ocorre também em outras redes sociais, como Twitter, YouTube, etc. O ministro do STF citou ainda uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo, segundo a qual o aplicativo também é terreno para o cometimento dos crimes de estelionato, divulgação de propaganda neonazista, venda de notas falsas e falsificação de documentos e de certificados de vacinação contra a Covid-19.
O relatório de Moraes destacou também a dificuldade de contato com os responsáveis pela plataforma e ausência de representação no país - o que, de acordo com o ministro, contraria a legislação brasileira.
Além disso, Moraes afirmou que o Telegram deixou de cumprir decisões judiciais relacionadas a processos - dos quais ele é relator - que investigam a disseminação de "notícias fraudulentas", nas palavras do ministro.
"O desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais pelo TELEGRAM, – empresa que opera no território brasileiro, sem indicar seu representante – inclusive emanadas do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente, além de contrariar expressamente dispositivo legal (art. 10, § 1º, da Lei 12.965/14). Dessa maneira, estão presentes os requisitos necessários para a decretação da suspensão temporária das atividades do TELEGRAM, até que haja o efetivo e integral cumprimento das decisões judiciais, nos termos destinados aos demais serviços de aplicações na internet, conforme o art. 12, III, do Marco Civil da Internet", afirmou Moraes na decisão.
Depois da determinação do ministro do STF, o russo Pavel Durov, um dos fundadores do Telegram e CEO da plataforma, divulgou um comunicado em seu canal na rede social sobre a questão. Ele pediu desculpas ao STF, citou que houve falhas na comunicação com as autoridades brasileiras e pediu que o bloqueio do aplicativo no país seja adiado.
Allan dos Santos
Ao apontar os motivos que teriam levado a Polícia Federal a pedir o bloqueio do Telegram, Moraes também pontuou a demora da plataforma de suspender contas ligadas ao jornalista Allan dos Santos. Segundo a decisão, três perfis foram bloqueados em 26 de fevereiro após sucessivas decisões judiciais, mas sem o cumprimento de todas as determinações do Supremo. Depois disso, um novo pedido para o bloqueio de mais um perfil de Allan dos Santos foi feito em 8 de março. Além disso, o ministro quer que o Telegram cumpra os seguintes requisitos:
"(a) indicar o usuário de criação dos mencionados perfis, com todos os dados disponíveis (nome, CPF, e-mail), ou qualquer outro meio de identificação possível, além de apontar a data de criação do perfil;
(b) suspender, imediatamente, o repasse de valores oriundos de monetização, dos serviços usados para doações, do pagamento de publicidades e da inscrição de apoiadores e advindos de monetização oriunda de lives, inclusive as realizadas por meio de fornecimento de chaves de transmissão aos canais/perfis indicados;
(c) indicar de forma individualizada os ganhos auferidos pelos canais, perfis e páginas referidos acima, com relatórios a serem apresentados em 20 (vinte) dias;
(d) informar nestes autos, imediata e obrigatoriamente, acerca da criação de quaisquer novas contas/perfis pelo investigado ALLAN LOPES DOS SANTOS, além de proceder ao seu bloqueio IMEDIATO;
(e) adotar mecanismos que impeçam a criação de quaisquer novos perfis por ALLAN LOPES DOS SANTOS, notadamente por meio da checagem e vedação à criação de contas palavras-chave, combinadas ou não, precedidas ou sucedidas por quaisquer outras palavras relacionadas a qualquer parte do seu nome e quaisquer outras que sejam identificadas e usadas pelo investigado; e
(f) informar nestes autos, imediata e obrigatoriamente, sobre todas as providências adotadas para o combate à desinformação e à divulgação de notícias fraudulentas, incluindo os termos de uso e as punições previstas para os usuários que incorram nas mencionadas condutas."
Representação no Brasil
Sobre a necessidade da representação de uma empresa no Brasil, o professor de Direito do Ibmec-DF Thiago Sorrentino disse à Gazeta do Povo, em entrevista concedida em janeiro deste ano, que existem áreas específicas da economia para as quais a legislação exige que a empresa tenha sede ou representante no Brasil, ou que seu capital tenha um limite de participação estrangeira, mas que esse não é o caso de uma rede social. “Por enquanto, não é o caso dos aplicativos de troca de mensagens que operam sobre o protocolo do que chamamos de internet”.
O especialista, que atuou por dez anos como assessor de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), avaliou que o fato de uma tecnologia poder ser utilizada para atividades ilegais não é suficiente para justificar uma proibição geral ao acesso.
“A analogia que faço é com o velho telefone: a circunstância de uma quadrilha utilizar celulares para combinar um sequestro justificaria sua proibição ampla, geral e irrestrita? Também justificaria uma quebra arbitrária do sigilo das comunicações de todos os seus usuários? Evidentemente que não. Apenas governos totalitários banem linearmente o acesso a meios de comunicação”, ressaltou.
Em outras palavras, “uma rede social somente poderia ser proibida de operar em território nacional se seu propósito único e exclusivo fosse a prática de crimes, como ocorreu nos Estados Unidos, em que um indivíduo montou um marketplace dedicado apenas à venda de drogas”.
Bloqueio do Telegram pelo mundo
Dos países citados anteriormente, três são ditaduras comunistas (Coreia do Norte, Cuba e China), uma é república islâmica (Irã) e uma é monarquia islâmica (Bahrein). O governo russo já chegou a tentar vedar o uso do app em 2018, mas deixou essa decisão de lado em 2020, após chegar a um acordo com o Telegram. Outros países suspenderam o app por curtos períodos, por motivos pontuais, como a Tailândia, durante os protestos no país em 2020, e o Azerbaijão, onde não só o Telegram, mas todas as principais redes sociais foram censuradas também em 2020.
No caso da China, o país é conhecido por barrar o acesso a canais de comunicação utilizados no mundo inteiro. A postura de Pequim, de censurar os produtores de conteúdo que não sejam controláveis pelo governo local, criou uma geração inteira que não conhece sites que fazem parte da rotina de boa parte do planeta.
A lista de sites e redes sociais que os chineses comuns não conhecem há quase duas décadas inclui YouTube, Facebook, Twitter, Google, Twitter, Instagram, Dropbox, Vimeo e SoundCloud, além de canais de notícias respeitados internacionalmente, como o jornal The New York Times e a rede de notícias BBC.
Alguns veículos de comunicação têm citado a Alemanha como outro exemplo de país onde se cogitou banir o Telegram, mas se trata de uma informação incompleta: em janeiro, por causa da circulação de conteúdos falsos relacionados à pandemia, a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, disse ao jornal Die Zeit, ao ser questionada sobre o banimento do aplicativo: "Não podemos descartar isso. Uma paralisação seria grave e claramente um último recurso. Todas as outras opções devem ser esgotadas primeiro”. Semanas depois, o governo alemão fez um acordo com o Telegram para banir alguns canais que espalhavam conteúdo falso.
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