Após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter ignorado pedidos de esclarecimentos solicitados pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) quanto a denúncias de violações de prerrogativas de advogados no inquérito 4.874, em trâmite no STF, a OAB Nacional, por meio da comissão de defesa de prerrogativas, entrará no caso para garantir a efetivação dos direitos dos advogados. Junto aos pedidos de esclarecimento, Moraes também negou solicitação de audiência por videoconferência, feita pelo presidente da comissão da OAB-SP, Luiz Fernando Pacheco, para discutir a denúncia.
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O inquérito em questão apura a existência de organização criminosa dedicada a cometer crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia) contra autoridades, em especial ministros do Supremo, da qual faria parte o jornalista Allan dos Santos, cuja defesa acionou a OAB-SP para apresentar a denúncia. O inquérito é alvo de críticas, sobretudo pelo fato de os ministros que, em tese, são vítimas dos crimes alegados, serem os condutores das investigações.
Além disso, a defesa do jornalista sustenta que mesmo com diversas decisões tomadas até então pelo ministro contra o jornalista – decretação de prisão preventiva, bloqueio de contas bancárias, suspensão de perfis nas redes sociais, dentre outras –, os advogados até o momentos não tiveram acesso aos autos do inquérito na íntegra, o que prejudica a defesa dos investigados.
Ao impedir as defesas de acessarem os autos, o Supremo fere a Súmula Vinculante 14, do próprio STF, que cita ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Paralelamente, a Corte também estaria infringindo o inciso XIV do art. 7º da lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB. O dispositivo cita que é direito do advogado “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital”.
Seccional de SP aciona OAB Nacional para entrar no caso
Depois de ter ciência da denúncia de violação das prerrogativas, no dia 17 de janeiro a OAB-SP, por meio da comissão de Direito e Prerrogativas, contatou o gabinete do ministro Alexandre de Moraes pedindo esclarecimentos sobre o caso. Diante da ausência de respostas, no dia 2 de março o presidente da comissão enviou novo ofício reforçando o pedido de esclarecimento e destacando o tempo transcorrido sem retorno. Desta vez, também foi feito pedido de audiência por vídeo entre o ministro e a presidência da comissão. No dia 7 de abril, o gabinete de Moraes retornou informando que, por ordem do ministro, o pedido não seria atendido.
Diante da negativa, Luiz Fernando Pacheco decidiu acionar Ricardo Ferreira Breier, presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, da OAB. Nesta terça-feira (19), Breier informou a Pacheco que a comissão nacional prestaria o apoio necessário para solucionar o que o presidente da comissão paulista definiu como “grave problema”.
Tendo competência legal para a defesa das prerrogativas dos advogados, a OAB pode tomar diferentes medidas quanto à denúncia, que vão desde um novo pedido de esclarecimento ao ministro ou nova demanda por audiência para tratar das denúncias, até o ajuizamento de uma ação judicial contra a conduta de Moraes. Uma eventual judicialização do caso, no entanto, pode ser pouco efetiva, uma vez que é o próprio Supremo quem apura eventuais ilegalidades cometidas por seus membros.
No final do ano passado, a defesa de Allan dos Santos impetrou um mandado de segurança e um habeas corpus apontando ilegalidades em decisões de Moraes e destacando o impedimento do acesso aos autos do inquérito. Ambos foram rejeitados pelo ministro Edson Fachin.
Allan dos Santos, Terça Livre e STF
Allan dos Santos é investigado também no inquérito 4.781 (chamado “Inquérito das Fake News”) que, da mesma forma, tramita no STF. O inquérito apura a veiculação de notícias falsas, além de crimes de calúnia, difamação e injúria contra os ministros do Supremo e seus familiares e também é conduzido por Alexandre de Moraes.
A investigação foi aberta em 2019 sem alvo determinado e por iniciativa do próprio STF – ação que é vista por juristas como ilegal por, entre outros motivos, concentrar na Corte o papel de acusador, juiz e vítima. Destaca-se que o usual é que o Supremo aja quando for provocado, seja a pedido do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República ou de autoridade policial. Há, ainda, críticas de advogados dos investigados nesse inquérito, que alegam que passados dois anos de sua abertura, o STF ainda não concedeu acesso dos autos na íntegra, inviabilizando as defesas. Nesse inquérito, Santos já foi alvo de mandados de busca e apreensão e de quebras de sigilo bancário, telemático e fiscal.
Já no âmbito do inquérito 4.874, tanto o jornalista quanto a empresa de comunicação Terça Livre, do qual Santos é proprietário, foram alvo de diversas determinações por parte de Alexandre de Moraes.
Em outubro de 2021, o ministro decretou a prisão preventiva de Allan dos Santos pela suspeita de ele ter organizado “ataques à Constituição, aos Poderes e à Democracia”. Como na época o jornalista já morava nos Estados Unidos, o ministro acionou o Ministério da Justiça para que iniciasse imediatamente um processo de extradição. O ministro também ordenou à Polícia Federal que incluísse o mandado de prisão na lista da Difusão Vermelha da Interpol.
Na mesma decisão, Moraes determinou o bloqueio de todas as contas bancárias atreladas ao nome do jornalista. O bloqueio deixou “cerca de 50 colaboradores do Terça Livre TV sem o salário”, de acordo com o próprio site, que acabou encerrando suas atividades por causa da sanção. No mesmo mês, ele ainda determinou ao Twitter e ao Instagram que removessem as contas mantidas por Allan dos Santos nas plataformas.
Por fim, em fevereiro de 2022, Moraes ordenou que o Telegram bloqueasse contas de Santos na plataforma. O ministro chegou a ameaçar suspender o serviço de mensagens em todo o Brasil caso a empresa não acatasse a ordem.
“Sanha pessoal e persecutória”
A conduta do ministro é vista por advogados de defesa de outros investigados nos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes como “vingança pessoal” pelo fato de parte daqueles que constam nos inquéritos já terem proferido publicamente ofensas ao ministro.
Recentemente a defesa do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), preso em fevereiro do ano passado por determinação de Moraes após ter publicado vídeo com ofensas e ameaças a ministros do Supremo, pediu que o ministro se declarasse impedido e suspeito para julgar quaisquer processos em que figure o deputado. Em sua argumentação, o advogado afirmou que o ministro é suspeito para julgar tais processos de acordo com o inciso I do artigo 254 do Código de Processo Penal (CPP), que determina que é suspeito o juiz que seja amigo íntimo ou inimigo capital de alguma das partes envolvidas no processo.
A defesa alegou também que há questões pessoais de Moraes contra Silveira que resultam em violações a normas processuais e constitucionais. “A sanha pessoal e persecutória deste Relator coloca em dúvida todos os atos praticados, pois é incrivelmente suspeito e impedido para julgar processos que envolvam Daniel Lúcio da Silveira, violando recorrentemente inúmeros direitos e garantias constitucionais, em especial, os princípios da imparcialidade e inércia do juiz”.
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