O jornalista Allan dos Santos, do Terça Livre, denunciou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia foi apresentada na quarta-feira (8).
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Moraes decretou a prisão preventiva do jornalista e bloqueou todas as contas bancárias atreladas ao nome dele no âmbito do chamado “inquérito dos atos antidemocráticos”. Allan dos Santos pede que a decisão seja revogada e afirma que ela impede o funcionamento do site, fere a liberdade de imprensa e caracteriza censura.
Segundo o Terça Livre, o bloqueio das contas deixou “cerca de 50 colaboradores do Terça Livre TV sem o salário”. Os funcionários – entre os quais estão jornalistas, redatores, técnicos de estúdio e cinegrafistas – são incluídos como vítimas no documento. A petição recorre a uma jurisprudência da CIDH de 2002, relacionada ao fechamento da Radio Caracas, da Venezuela, decretado pelo antigo ditador do país, Hugo Chávez. Na época, o caso foi levado à OEA, e a Venezuela foi condenada por violação aos direitos humanos.
Allan dos Santos pede ainda, segundo o Terça Livre, “que a Comissão recomende a revogação das intervenções de Moraes nos processos em que Santos pleiteia reparação à sua honra contra outros órgãos de imprensa que o acusaram falsamente de receber dinheiro público”.
No começo do ano, Moraes suspendeu uma decisão da Justiça do Distrito Federal em favor de Allan dos Santos contra a revista Isto É. A publicação tinha sido condenada a indenizar o jornalista em R$ 25 mil por danos morais, após a publicação de uma matéria que o acusava de receber uma mesada da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). Em 2020, a Secom desmentiu o boato.
O que é a CIDH e qual é a chance de que a denúncia de Allan dos Santos avance
A CIDH é uma corte complementar à Justiça de países do continente americano, cujo objetivo é apreciar casos de violações aos direitos humanos e defender as liberdades individuais de cidadãos dos 25 estados signatários do Pacto de San José da Costa Rica. O Brasil assinou esse pacto em 1992.
“Por exemplo, se você está em um momento de ditadura, a Justiça do país não serve para nada. Não é independente. Nesses momentos, a OEA através da Corte, pode abrir um procedimento, analisar e julgar”, explica Manuel Furriela, mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP).
Foi nessa linha que, em 2002, a Venezuela foi condenada por violação aos direitos humanos. Mas, segundo o especialista, decisões como essa não são comuns na CIDH.
“Os julgamentos e condenações são raros, justamente porque há muita restrição na hora de fazer a análise e o processamento. Tem que vir com provas objetivas. São duas coisas: primeiro tem que mostrar que não dá para buscar a Justiça local, e depois, o outro critério é apresentar provas muito concretas do que está sendo alegado. E tem que envolver questões de direitos humanos, nunca outras questões”, diz.
O primeiro passo depois que uma denúncia é levada à CIDH é um estudo de admissibilidade, que não tem prazo para terminar. “O que é feito nessa pré-análise é principalmente a verificação da possibilidade daquele que está reclamando de usar a própria Justiça do país, a Justiça interna, e não procurar a Corte. Isso é uma primeira análise. Isso barra muitos casos, porque geralmente há a possibilidade de se buscar a Justiça local”, afirma Furriela.
Se a denúncia for aceita, a CIDH abre um procedimento, e o governo do país é chamado a se defender. Depois disso, caso tenha constatado violações aos direitos humanos, a CIDH pode emitir recomendações ao país acusado. Se essas recomendações não forem cumpridas, o país pode ser oficialmente condenado pela Corte Interamericana da OEA por violação aos direitos humanos.
Para Furriela, a chance de que o caso de Allan dos Santos avance até mesmo na primeira etapa – o estudo de admissibilidade – é bastante remota.
"Você tem que comprovar que a Justiça do país não é isenta em relação àquele caso específico, que a Justiça se nega a fazer uma averiguação. É difícil você levar uma questão dessa de um país que é democrático. Se você está num país com uma ditadura, é muito mais fácil provar que a Justiça local se nega a julgar. Num regime democrático, como é o caso do Brasil, fica muito difícil você fazer uma comprovação desse tipo. Não vejo chance, porque a própria Justiça brasileira está julgando o caso, porque ela é o Poder da República competente para fazer isso", afirma.
À Gazeta do Povo, o Terça Livre refutou a ideia de que as chances de o caso prosperar sejam remotas. Segundo a empresa, a petição cumpre o requisito principal de esgotamento dos recursos internos – isto é, a impossibilidade de se solucionar a alegada violação aos direitos humanos dentro do próprio país.
"Existem requisitos de admissibilidade para se levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É necessário cumprir esses requisitos, que estão listados na Convenção – o Pacto de San José da Costa Rica – e no regulamento, que é como se fosse um regimento interno da Comissão, que se chama Regulamento da Comissão. O artigo 28 do Regulamento da Comissão exige identificar as pessoas, descrever quais foram as violações praticadas pela autoridade do Estado denunciado... Um dos pontos mais importantes se chama 'esgotamento dos recursos internos'. Geralmente é o Poder Judiciário a quem você recorre para fazer cumprir a lei e a Constituição. No nosso caso, quem está violando a Convenção e a lei é o próprio STF, a mais alta corte do país. A quem recorrer? No sistema processual brasileiro, não existe órgão acima do STF. Acima do STF, não há um órgão estatal de revisão. A nossa petição, no capítulo 2, fala do esgotamento dos recursos da jurisdição interna. A gente esclarece muito bem isso. A gente até tentou tomar providências, com um mandado de segurança e um HC (habeas corpus) – o mandado de segurança para desbloquear as contas da empresa, e o HC para revogar a prisão do Allan. E isso já foi indeferido. Então, a quem recorrer agora, já que o próprio STF disse que não cabe impugnar através de ações ou de recursos ordens e decisões de juízes da sua corte?", questiona o Terça Livre.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o CIDH na quinta-feira (9) para que o órgão comentasse sobre a tramitação do caso, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
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