O ensino superior brasileiro vive um paradoxo. Embora o investimento por aluno esteja próximo da média dos países desenvolvidos, as universidades brasileiras ainda não têm destaque no cenário global e ficam longe do topo nos principais rankings de qualidade na área.
O gasto anual em ensino superior hoje no Brasil é de US$ 11,6 mil (R$ 23,5 mil) por estudante, segundo levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O valor, que engloba recursos públicos e privados, é maior do que o aplicado na Itália (US$ 9,5 mil) e na Nova Zelândia (US$ 10,5 mil) e não fica muito distante do gasto em Israel (US$ 12,5 mil), Espanha (US$ 13,3 mil) e França (US$ 14 mil).
Entre as 17 nações emergentes listadas na pesquisa da OCDE, o Brasil é a que mais investe por aluno. Isso não tem sido suficiente, porém, para que o ensino superior brasileiro crie uma reputação de excelência. Um ranking feito recentemente pela Universidade de Melbourne, na Austrália, comparou os sistemas universitários de 48 países e colocou o Brasil na 40.ª posição, atrás de China, Argentina, Chile e de diversos países do Leste da Europa, como Eslovênia, Bulgária e Ucrânia.
Algumas das limitações brasileiras que aparecem no levantamento australiano são a pequena abrangência do sistema universitário gasta-se bastante por aluno, mas, como a parcela da população no ensino superior é menor do que em outros países, o investimento total em relação às riquezas produzidas pelo país ainda é baixo ; a insuficiente conexão das universidades brasileiras com instituições estrangeiras (tanto para intercâmbios quanto para produção acadêmica); e o pequeno número de instituições em rankings que levam em conta a produtividade dos cursos.
Para se ter uma ideia, a Universidade de São Paulo (USP), a melhor do país, aparece apenas na 178.ª colocação no ranking da Times Higher Education.
Escolhas erradas
A dificuldade de colocar universidades entre as melhores é reflexo das escolhas feitas pelo Brasil. O baixo investimento no ensino básico torna mais difícil a formação de graduandos interessados em pesquisa ou capazes de atender plenamente às demandas do mercado de trabalho. "Não há como esperar resultados muito melhores em rankings universitários enquanto não se fizer uma revolução na educação básica", diz o consultor Renato Casagrande. Ele lembra que as últimas avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostram uma defasagem de quatro anos dos alunos brasileiros da educação básica em comparação com qualquer país desenvolvido.
Para o reitor da Universidade Positivo, José Pio Martins, outro problema é o interesse tardio das universidades do país pela pesquisa e por cursos de doutorado. "A titulação conta muito nesses rankings e há 30 anos o Brasil não tinha doutores", diz. Além disso, a pesquisa se restringe a poucas instituições públicas e o incentivo ao financiamento privado só recentemente entrou em pauta com a criação de leis de inovação o Paraná, por exemplo, ainda não tem uma lei do gênero.
Pouca atenção ao ensino fundamental
De acordo com os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os elevados gastos nacionais com ensino superior não são proporcionais ao que se investe na educação básica. Isso se reflete na desvantagem que os calouros brasileiros levam quando comparados aos estudantes estrangeiros, que contam com investimentos mais relevantes nos anos escolares iniciais.
Proporcionalmente, o Brasil gasta com ensino fundamental cerca de um sétimo do valor investido no ensino superior. O vizinho Chile, tendo os investimentos brasileiros como referência, investe quase três vezes mais na formação de crianças e adolescentes, o que equivale à metade do que o mesmo país gasta com universidades. Considerando todos os 39 países citados no relatório da OCDE, apenas Indonésia e China investem ainda menos que o Brasil em cada aluno do ensino fundamental.
Para o pesquisador João Malheiro, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a formação básica fraca é a razão principal para o desempenho aquém do esperado no ensino superior. "Para se ter capital humano preparado para realizar pesquisa de ponta, os alunos têm que estar muito mais bem preparados", afirma. Foco exagerado no mercado de trabalho e interferências ideológicas na aprendizagem seriam outros fatores que prejudicam a formação científica daqueles que ainda chegarão à universidade.
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