A Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas demitiu e investiga a médica ginecologista Michelle Chechter, que trabalhava na maternidade Instituto da Mulher Dona Lindu, em Manaus, por aplicar nebulização de hidroxicloroquina como tratamento para Covid-19. No Instituto, uma paciente melhorou e outra morreu após o procedimento, mas não está confirmado se o restabelecimento de uma paciente e o falecimento de outra estariam relacionados à nebulização.
Esta não é a primeira vez que o método é usado: em março, outra médica foi demitida, no município de Camaquã, no Rio Grande do Sul, após fazer o tratamento, caso que chegou a ser comentado pelo presidente Jair Bolsonaro, em entrevista. No Hospital Nossa Senhora Aparecida (HNSA), onde atuava, três pacientes morreram e outros melhoraram após a adoção da nebulização - como Dalvi Soares de Freitas, vereador e ex-prefeito do município próximo de Dom Feliciano (RS), que gravou vídeo relatando sua cura. O hospital acredita que as mortes possam ter sido causadas pela nebulização, mas familiares das pessoas que vieram à óbito defendem a médica e acusam o hospital de não ter realizado todos os procedimentos necessários. A ocorrência gaúcha ainda está sendo investigada pelo Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers).
Em Manaus, a morte da paciente ocorreu em fevereiro, mas somente agora foi tornada pública. A secretaria diz que a médica Michelle Chechter passou a fazer parte da equipe em 3 de fevereiro "após contratação em regime temporário pela secretaria junto com outros 2,3 mil profissionais de saúde, via banco de recursos humanos disponibilizados ao Estado pelo Ministério da Saúde".
A mulher que morreu depois da nebulização havia acabado de dar à luz. A pasta informou que o tratamento não faz parte dos protocolos terapêuticos do Instituto Dona Lindu "nem de outra unidade da rede estadual de saúde, ainda que com o consentimento de pacientes ou de seus familiares". O bebê passa bem.
Conforme a pasta, "o procedimento tratou-se de um ato médico, de livre iniciativa da profissional, que não faz mais parte do quadro da maternidade, onde atuou por cinco dias". O comunicado diz também que "tão logo tomou conhecimento do ato, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas determinou abertura de sindicância e o afastamento da profissional".
A secretaria confirma que outra paciente sobreviveu à nebulização de hidroxicloroquina. "Conforme o instituto informou à secretaria, duas pacientes foram submetidas ao tratamento de nebulização de hidroxicloroquina. Ambas assinaram termo de consentimento, como relatado em prontuário. Uma das pacientes veio a óbito e a outra teve alta. Todas as informações sobre o atendimento estão registradas em prontuário", afirma a pasta.
O texto diz ainda que a secretaria e o instituto não compactuam com a prática de "qualquer terapêutica experimental de teor relatado e não reconhecida e entendem que tais práticas não podem ser atribuídas à unidade de saúde, que tem como premissa o cumprimento da lei e dos procedimentos regulares, conforme os órgãos de saúde pública e os conselhos profissionais".
Favorável ao tratamento precoce
A ginecologista Michelle Chechter respondeu da seguinte maneira a pedido de contato feito pela reportagem: "nesse momento não estou conseguindo dar entrevistas. Futuramente entro em contato". Em suas redes sociais a médica mantém um selo com os dizeres "covid-19. Eu apoio o tratamento precoce".
O chamado "tratamento precoce" é o uso de um coquetel de medicamentos, cujas evidências não são ainda definitivas. De fato, há estudos que sugerem que esses medicamentos não funcionam, como uma pesquisa importante do British Medical Journal. Mas também há muitas pesquisas apontando o contrário. Por isso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se negou a proibir o uso desses remédios e condenou o uso político do tema. Recentemente, entidades médicas desaprovaram nota da Associação Médica Brasileira (AMB), que pedia o banimento do tratamento precoce, postura considerada por elas como anticientífica.
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