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A Amazon do Brasil retirou do ar um livro com imagens de menores de idade nuas depois de queixas de internautas, em mais um episódio que traz à tona o uso de pretextos para a normalização da pedofilia.
A obra “Anjos Proibidos”, do fotógrafo Fábio Cabral, foi publicada em 1991 e traz 25 retratos de crianças e adolescentes - de 10 a 17 anos - despidas. Por causa da pequena tiragem (apenas 500 cópias foram feitas), o exemplar à venda tinha um preço de quase R$ 10.000.
O caso ganhou repercussão depois de ser divulgado pelo perfil @aAndreaMenezes no Twitter. A hashtag #SeExplicaAmazon chegou a ficar entre os assuntos mais comentados na rede social nesta terça-feira (16). Em poucas horas, a Amazon comunicou que o livro foi retirado do site. O material não estava sendo vendido diretamente pela Amazon, mas por um terceiro utilizando a plataforma da companhia.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Amazon apenas repetiu o breve comentário que havia publicado em sua página no Twitter: “A Amazon agradece pelo alerta. Suspendemos o produto assim que fomos informados, e estamos investigando.”
Embora o episódio possa ter sido um "lapso" da plataforma de vendas, o caso chama atenção porque se situa em um contexto de tentativa de normalização da pedofilia. Uma das vertentes desse movimento se sustenta na tese de que fotografias do tipo configuram arte, e não envolvem um abuso sexual porque são consentidas. Foi este o argumento do fotógrafo na época. Fábio Cabral chegou a ser indiciado mas, sob o argumento de que seu trabalho era artístico, acabou absolvido.
Na época, segundo a Folha de S. Paulo, ele teve o apoio de figuras importantes da cena cultural, como o então curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Fábio Magalhães. Depois do episódio, o fotógrafo, que mora em Florianópolis, seguiu sua carreira e continua na ativa até hoje. À Folha, ele se justificou desta forma: “Neste meio das modelos, é comum depararmos com meninas de 15 se insinuando para pegar um trabalho. Dizer que elas não tem sexualidade não tem cabimento”.
O advogado Elival da Silva Ramos, ex-procurador-geral do Estado de São Paulo, afirma que, no caso concreto, como o próprio autor do livro foi inocentado, a Amazon dificilmente seria responsabilizada judicialmente. Mas, como regra, a companhia responde pelo que é comercializado nas suas plataformas. “Entendo que a Amazon, tal qual outros sites de venda online, tem responsabilidade sim sobre o que é vendido por meio de sua plataforma”, diz ele.
A justificativa de Fábio Cabral foi similar à adotada em outros dois episódios recentes que ganharam a atenção do público. A primeira foi a exposição de arte com conteúdo sexual, inclusive uma cena que aparentava retratar o abuso sexual de uma criança, no Santander Cultural de Porto Alegre, em 2017. Antes de ser interrompida, a mostra foi visitada por grupos escolares.
No mesmo ano, um segundo episódio chamou atenção: em uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), o artista plástico Wagner Schwartz ficou completamente nu diante da plateia, que incluía menores de idade. Ele chegou a ser tocado por uma garota de 7 anos. Diante de protestos de grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), o museu e grande parte da classe artística defenderam Schwartz. O argumento: tanto a criança quanto a mãe aceitaram participar da performance.
Em 2019, o assunto voltou à tona quando o Twitter alterou suas regras para permitir que usuários discutam sua atração menores de idade, desde que não incentivem a exploração sexual infantil. A medida foi criticada por permitir que pedófilos utilizem a plataforma para se aproximar uns dos outros.
O debate tem ganhado espaço também na academia. A Universidade de São Paulo aprovou em 2014 uma tese de doutorado em Sociologia que analisa “o processo de criminalização da pedofilia”. Por trás da tentativa de questionar o que seria uma postura muito rígida contra a pedofilia, está a noção de que a atração por crianças é uma doença, e não deve necessariamente ser tratada como um crime.