A floresta com maior biodiversidade do mundo apresenta uma paisagem homogênea. É o que descobriu uma força-tarefa que reuniu mais de cem pesquisadores em torno de algumas perguntas aparentemente simples, mas que não tinham resposta: Quantas árvores existem na Amazônia? De que espécies? E quais são as mais comuns?
A partir da contagem de indivíduo por indivíduo em 1.170 áreas espalhados por toda a floresta, os cientistas estimaram que nos 6 milhões de quilômetros quadrados da bacia ocorrem cerca de 390 bilhões de árvores, de aproximadamente 16 mil diferentes espécies. O número que mais surpreendeu, porém, foi o da última pergunta. Somente 227 espécies respondem por metade de todas as árvores do bioma.
O trabalho, divulgado na edição desta quinta-feira (17) da revista norte-americana Science, mostra que o todo da vegetação se segura nesse conjunto muito pequeno de espécies, só 1,4% do total, quantidade menor do que a flora de árvores norte-americana.
"Isso nos surpreendeu. Em qualquer ecossistema, poucas espécies são comuns e muitas são raras. Mas não esperávamos que fosse um número tão pequeno. Imaginávamos que algo entre 5% e 10% das espécies fossem dominantes", disse o líder do trabalho, Hans ter Steege, da Universidade de Utrecht (na Holanda).
"Mas isso não muda o fato de que a Amazônia é a mais rica área florestal no mundo. Só nos mostra que a distribuição de indivíduos dentro das espécies é um pouco diferente do que imaginávamos", complementa. O estudo apontou que entre as mais comuns - ou hiperdominantes, como apelidaram os pesquisadores - estão espécies bastante simbólicas do Brasil, como a castanha-do-pará, o cacau, a seringueira e o açaí. Não à toa, são justamente as árvores cultivadas há milênios pelas populações locais e que até hoje têm amplo uso econômico. Esse aproveitamento, sugerem os pesquisadores, pode ser um dos motivos para elas terem se espalhado tanto.
A maior parte das espécies, por outro lado, existe de modo restrito e endêmico - mais de um terço das espécies (36%, ou 5.800) são extremamente raras, com populações com menos de mil indivíduos. De acordo com os autores, essa ocorrência tão irrisória é suficiente para dizer que essas espécies estão globalmente ameaçadas. Juntas, elas respondem por somente 0 0003% de todas as árvores da Amazônia.
Inventário
Esta é a primeira vez em que se consegue fazer um levantamento tão amplo para toda a Amazônia. Outras contagens já tinham sido feitas em escala regional, mas os cientistas nem sequer sabiam quais eram as espécies mais comuns em todo o bioma. Para fazer o inventário, Steege convocou uma centena de pesquisadores que já trabalhavam na região e criou a Rede de Diversidade de Árvores da Amazônia. Dados que eram coletados desde 1934 (até 2011) foram aproveitados.
Um dos principais colaboradores foi o botânico brasileiro Rafael Salomão, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que contribuiu com mais de cem parcelas de levantamento florístico. Em linhas gerais, isso consiste em mapear, em áreas de 1 hectare (equivalente a um campo de futebol), quantas árvores com mais de 10 centímetros de diâmetro de tronco estão ali e de quais espécies. "Já tinha observado que cerca de um terço das espécies apresentavam por parcela apenas um indivíduo."
As descobertas são importantes para esforços de conservação. "Com nossas estimativas, podemos identificar quais são as espécies mais vulneráveis, onde elas estão e quanto de sua população já foi perdida", diz Steege. Isso pode nortear a criação de áreas protegidas.