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Os amigos Andrea Truppel, Gustavo Goose e Michele Moritz Perussolo gostam de cultivar amizades em “tribos” distintas: “Sempre temos algo interessante para fazer” | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Os amigos Andrea Truppel, Gustavo Goose e Michele Moritz Perussolo gostam de cultivar amizades em “tribos” distintas: “Sempre temos algo interessante para fazer”| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Disposição é a 1.ª dica para não ficar sozinho

As três pessoas retratadas na foto acima são verdadeiros "imãos". Pelo menos é o que um diz do outro. A personal trainer Andrea Truppel, o publicitário Gustavo Goose e a engenheira civil Michele Moritz Perussolo, todos de 31 anos, se conhecem há anos. Todos têm mais de um círculo de amizade e facilidade para se relacionar. Dizem que não sabem explicar bem por que, mas em uma conversa informal é fácil de descobrir os motivos. "Uma coisa que sempre penso é que trato os outros como gostaria de ser tratada. Por isso, sempre respondo um bom dia", arrisca Andrea.

Goose explica que sempre procura se relacionar com pessoas diferentes, de interesses diversos, e com isso acaba formando vários grupos de amigos. "Sempre quero participar de coisas novas. Se jogo futebol com um grupo, já aceito convite para churrasco e assim por diante. Com isso tenho sempre onde ficar quando viajo, sempre conheço alguém", brinca. No e-mail, os contatos são divididos por turmas: a do colégio, a da faculdade... e são várias. "O bom disso é que, todos os dias, você tem coisas interessantes para fazer e aprender. Surfar com a turma surfista, jogar bola com os boleiros, tocar música com os músicos, viajar com mochileiros e até acabar trabalhando com os seus contatos mais profissionais."

Michele, que conhece Andrea há 24 anos e Goose há 15, diz que dificilmente perde contato com os amigos. "Pelo contrário, até juntei muitas das turmas, do colégio com a faculdade e assim vai." Ela diz que, recentemente, aprendeu até a se conhecer melhor através dos olhos dos amigos. "Eles se surpreendem com alguma situação ou falam de alguma qualidade e isso me ajuda a entender um pouco do que acontece na minha vida."

Curiosidade e disposição são duas qualidades que resumem a facilidade dos três para conhecer pessoas e criar vínculos. Não é nada programado, planejado, mas acontece. Como diria o poeta Vinícius de Moraes, amigos a gente não faz, reconhece. Basta dar oportunidade.

O caminho

Longe de tentar dar uma receita, os psicólogos e amigos consultados pela reportagem acabaram dando algumas dicas importantes para fugir da solidão

- Estar aberto não é "estar à caça", mas sim sem barreiras.

- Dê tempo ao tempo. O melhor das relações é a transformação. Não espere que a outra pessoa vá simplesmente se encaixar no que você idealizou.

- Corresponda. Trate os outros como gostaria de ser tratado, respondendo, por exemplo, um bom dia.

Depois de um recorte de 11 mil trabalhos científicos, três pesquisadores norte-americanos – Julianne Holt-Lunstad, Timothy B. Smith e J. Bradley Layton, os dois primeiros da Universidade de Brigham Young e o último da Carolina do Norte – analisaram 148 artigos para verificar o quanto as relações sociais influenciam na mortalidade do ser humano. Em termos quantitativos, o universo verificado pela pesquisa foi de 308.849 pessoas (51% da América do Norte, 37% da Europa, 11% da Ásia e 1% da Austrália) e sua principal conclusão é que pessoas com fortes relações sociais têm 50% mais chances de sobrevivência do que aquelas que apresentam relações sociais mais fracas. A solidão seria tão perigosa para a saúde quanto fumar ou beber.O estudo sugere que, apesar da tecnologia e da globalização, supostamente, alargarem as possibilidades de contato, as pessoas estariam caminhando para o lado oposto, o da redução ou superficialidade das relações sociais. De forma prática, uma das constatações é que uma boa rede de amigos beneficia o sistema imunológico e deixa o organismo mais forte diante de processos inflamatórios.

Para saber como exatamente isso acontece e qual é o peso de outros fatores sociais no processo ainda são necessários mais estudos.

O que a pesquisa enfatiza, porém, é que a afirmativa é verdadeira, independentemente de aspectos como sexo, idade e classe social e que, ao contrário do que comumente se imagina, o "viver sozinho" não é sinônimo de "ser sozinho". "É possível para uma pessoa viver sozinha, mas ter uma grande rede social de apoio e, por isso, não entrar propriamente em isolamento", diz o estudo.

Coincidência ou não, a solidão é tema da campanha deste ano da Fundação de Saúde Mental do Reino Unido. O estudo da instituição, The Lonely Society, levanta a hipótese de uma sociedade cada vez mais solitária e também fala das diferentes percepções acerca do que é solidão. "Neurocientis­­tas sociais acreditam que cada um de nós tem uma certa expectativa sobre estar com os outros, que herdamos de nossos pais e de um ambiente social da infância, um nível de conexão social com o qual nos sentimos confortáveis. Isso explica porque as pessoas não são igualmente sensíveis em relação à solidão, assim como porque nós temos necessidades e expectativas diferentes sobre o nosso relacionamento com os outros", diz o estudo. Sentir-se solitário em determinado momento/estágio da vida, como uma mudança de cidade ou separação, é também natural, às vezes necessário, mas quando a experiência dura por muito tempo pode ser prejudicial ao bem-estar.

Se a percepção da solidão é tão diferente de pessoa para pessoa, como saber se ela é mesmo um problema ou apenas uma fase, natural, pela qual você está passando? "Quando você começa a ter prejuízos sociais, como tendência a não sair de casa, à depressão, é hora de parar e, primeiro, reconhecer o sofrimento. Dificilmente, o sentimento terá apenas uma causa, mas fazer essa reflexão é importante", explica o psicólogo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Relacionamento Amoroso, Ailton Amélio da Silva. Essa reflexão não precisa necessariamente de uma ajuda profissional, mas da figura de um guia. "Esse guia é, muitas vezes, alguém mais experiente, como um avô, que já passou por esse tipo de experiência antes e vai te ajudar a visualizar o que está errado e a encontrar um caminho para você ir atrás do que está faltando", explica a psicoterapeuta e autora do livro Laços e Nós, Beatriz Helena Paranhos Cardella.

Para ela, um conjunto de características do mundo contemporâneo –materialismo, individualismo, imediatismo, padronização da estética e o tempo da máquina, da tecnologia – contribui para que as pessoas se sintam sozinhas. "As pessoas ficam muito mais pautadas pela busca do prazer, da satisfação, do que na relação de transformação que é o amor. Querem encontrar pessoas prontas, que se encaixem nelas e na primeira decepção pulam fora." Beatriz cita ainda uma outra característica que estaria criando essa forma de adoecimento contemporâneo que é a solidão: a falta do sagrado. "O sagrado não quer dizer religião, mas sim o encantamento. E as relações são as melhores oportunidades de encantamento, de plenitude, na vida de alguém."

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