Apesar da constante argumentação de membros da alta cúpula do governo Lula de que a aprovação do chamado “PL das Fake News” não seria usada para censurar opiniões contrárias a pautas do governo, a postura de ministros e lideranças governistas em relação ao caso Telegram foi justamente no sentido contrário.
Desde o disparo de uma mensagem redigida pela empresa aos usuários brasileiros do aplicativo com críticas ao projeto de lei, governistas passaram a exigir por diversos meios que os argumentos da empresa fossem silenciados. E a “urgência” da aprovação da PL das Fake News foi repetidamente mencionada para reforçar a necessidade de coibir “determinados posicionamentos”.
A estratégia não ficou restrita ao primeiro e segundo escalão do governo, mas ganhou o apoio de aliados no Congresso e, mais ainda, de influenciadores pró-governo, que nas redes sociais passaram a pressionar por uma “resposta urgente da Justiça” – sem mostrar qual teria sido o crime cometido pela plataforma.
As tentativas de silenciamento do Telegram deram resultado: menos de 24 horas após o disparo da mensagem pelo aplicativo, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que a empresa apagasse o comunicado. Também determinou que o aplicativo veiculasse a todos os seus usuários uma nova mensagem redigida pelo próprio ministro dizendo que a anterior se tratava desinformação.
Na decisão, Moraes evitou explicar os motivos pelos quais a mensagem configuraria desinformação e ameaçou bloquear o aplicativo usado por 65% dos brasileiros em todo o país caso a ordem não fosse atendida. Em alinhamento com o governo, o ministro do STF é um ferrenho defensor da regulação das redes sociais e, assim como representantes do Executivo, na semana passada usou o poder do Estado para ordenar a remoção imediata de anúncios que se posicionavam contrários ao PL das Fake News.
Vale destacar que a mensagem do Telegram mencionava justamente o risco de silenciamento de opiniões que o governo venha a considerar “inaceitáveis” a partir da aprovação do projeto de lei.
Pressão por censura partiu de ministros e líderes do governo
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi o primeiro a levar o caso ao STF pedindo a remoção do conteúdo. Um dos pedidos do parlamentar era que o aplicativo fosse incluído no chamado “inquérito das fake news” sob a alegação de que a plataforma estaria “manipulando a opinião pública a favor de seus interesses”.
Já o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, disse que o posicionamento da empresa era “inacreditável” e que “medidas legais” seriam tomadas.
Por outro lado, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino – um contundente defensor do projeto de lei, que recentemente chegou a divulgar fake news para reforçar a narrativa de que haveria uma perseguição de big techs a usuários favoráveis ao PL das Fake News – foi às redes sociais anunciar que “providências legais estão sendo tomadas contra esse império de mentiras e agressões”.
Na última terça-feira (2), data inicialmente prevista para que o PL das Fake News fosse votado na Câmara, Dino já havia usado o poder do Estado para remover uma publicação do Google com críticas ao projeto de lei. Na ocasião, o ministro de Lula exigiu que a empresa publicasse uma contrapropaganda com mensagens favoráveis ao PL das Fake News sob pena de multa de R$ 1 milhão por hora de descumprimento.
Ricardo Cappelli, secretário executivo do Ministério da Justiça e conhecido como o “número 2” da pasta, declarou que a mensagem divulgada pela empresa constituía “disparo em massa de mentiras” e emendou fazendo uma defesa da aprovação do projeto de lei de regulação das plataformas de redes sociais.
Outro a usar o poder do Estado para coibir o discurso do Telegram foi o titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom), Wadih Damous. Na tarde de terça-feira, ele informou que a Senacom notificaria o Telegram questionando a publicação da mensagem.
Parlamentares pró-governo pediram censura do Telegram alegando “defesa da democracia”
Além da ofensiva da cúpula governista, uma série de parlamentares que apoiam o governo Lula também passaram a reforçar críticas e pedidos de remoção do comunicado do aplicativo de mensagens. A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) mencionou, nas redes sociais, a necessidade de “medidas cabíveis para que essa informação falsa não continue circulando”.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News, disse que iria “atuar para que haja uma resposta, não apenas do Poder Legislativo, mas do Judiciário e do Executivo” contra o Telegram. Para ele, a mensagem da empresa é um “ataque à democracia”.
Já o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), líder do PT na Câmara, disse que “essa atitude desleal só mostra a importância de aprovarmos logo a regulamentação”, sugerindo que o projeto de lei impediria um posicionamento como este da empresa. O parlamentar também chegou a dizer que “o aplicativo foi suspenso na semana passada por proteger criminosos que propagam nazismo”, argumento reforçado pelo deputado André Janones (Avante-MG), que afirmou que se o PL das Fake News não for aprovado, “ambientes como esse continuarão sendo utilizados para planejar assassinatos de crianças e professores em escolas”.
No final de abril, o aplicativo chegou a ser suspenso do país por entendimento da Justiça Federal do Espírito Santo de que a empresa não teria fornecido à Polícia Federal dados sobre grupos neonazistas na plataforma. O funcionamento do aplicativo foi restabelecido dias depois pela Justiça.
Um dia antes de o bloqueio ser revogado, o fundador e CEO do Telegram, Pavel Durov, emitiu um posicionamento sobre a suspensão do aplicativo no Brasil. De acordo com Durov, um tribunal no Brasil solicitou dados que são “tecnologicamente impossíveis” para a plataforma obter.
No comunicado, ele mencionou casos de outros países, como China, Irã e Rússia, que bloquearam o Telegram. “Em casos em que as leis locais vão contra essa missão [preservação da privacidade e a liberdade de expressão] ou impõem requisitos tecnologicamente inviáveis, às vezes temos que deixar tais mercados. No passado, países como China, Irã e Rússia baniram o Telegram devido à nossa posição principiada sobre a questão dos direitos humanos. Tais eventos, embora infelizes, ainda são preferíveis à traição de nossos usuários e às crenças nas quais fomos fundados”, explicou Durov.
Influenciadores pró-governo criaram ofensiva contra Telegram nas redes sociais
Por fim, o aplicativo também entrou na mira dos vários perfis de influenciadores digitais pró-governo, que costumam influenciar o debate público defendendo pautas de interesse do governo.
Minutos após o disparo do comunicado, Felipe Neto – que na semana passada passou a integrar o chamado “Conselhão” do governo Lula – disse nas redes sociais que os argumentos do Telegram constituíam “desinformação” e pediu que “a justiça brasileira aja com o máximo rigor da lei contra esse absurdo”. A postagem alcançou mais de 2 milhões de pessoas no Twitter.
Já o perfil denominado Choquei, que soma mais de 19 milhões de seguidores apenas no Instagram e apoiou Lula durante a campanha eleitoral do ano passado, fez posts cravando como falsas as alegações do aplicativo.
No entanto, a reação majoritária às publicações é favorável ao discurso do aplicativo. “Ela [a plataforma] está exercendo o direito de expressão. Mas agora tudo é fake news, menos as postagens que falam bem do atual governo”, diz um seguidor do perfil Choquei. “Onde já se viu um app sair falando algo que não foi permitido pelo governo?”, ironiza outro.
Comentários críticos à tentativa de silenciar o posicionamento do Telegram também foram uma constante nas publicações de membros e aliados do governo Lula. A postagem, pelo senador Randolfe Rodrigues, de uma charge equiparando a mensagem do Telegram a uma prática nazista foi uma das que atraiu uma enxurrada de críticas.
“Poucas vezes vi um comentário tão infeliz nessa rede. Além de minimizar o sofrimento de uma guerra você esquece que censura também mata e muito”, diz uma seguidora em resposta à publicação. A postagem também foi criticada por ser desrespeitosa às vítimas do regime nazista. “Essa relativização de um dos regimes mais terríveis e sanguinários da história é um desrespeito terrível à memória das milhões de vítimas que foram perseguidas e mortas pelo nazismo”, opina outro usuário.
“Lula precisa calar a internet porque não consegue controlá-la”, diz deputado
Após a ofensiva contra o comunicado do Telegram, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) – que na semana passada acionou a Procuradoria-Geral da República contra Flávio Dino por abuso de autoridade após o ministro ter ordenado que o Google excluísse postagens críticas ao PL das Fake News – avaliou a estratégia como um prenúncio de como funcionaria o projeto de regulação das redes sociais.
“Alguém vai decidir se algo é mentira ou verdade e logo em seguida a censura rola solta, com direito a multas e medidas ‘socioeducativas’”. “Querem que os maiores afetados pelo projeto de lei simplesmente se calem e aceitem. Temos que nos manter firmes nessa briga. Lula precisa calar a internet porque não consegue controlá-la”, prosseguiu.
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