O Senado aprovou, nesta quarta-feira (1º), a indicação do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça André Mendonça para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a sabatina, ele abordou temas como o direito à vida, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a liberdade de expressão – que costumam ser incluídos entre as chamadas “pautas de costumes”.
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Em uma Corte na qual será clara exceção entre os 11 ministros, Mendonça poderá fazer algo de relevante para defender uma visão de mundo conservadora na interpretação da Constituição? Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, a tarefa não é fácil, mas o novo magistrado do STF tem competência para isso.
Para a deputada estadual de São Paulo Janaina Paschoal (PSL), doutora em Direito Penal pela USP, a presença de Mendonça poderá ajudar a frear a tendência de relativização da Constituição em pautas de costumes.
“Eu acredito que ele vai levar mais ponderação para o Supremo, que tem tido, nesse aspecto, uma visão muito progressista numa perspectiva que eu considero negativa. Não creio que a presença dele lá vá reverter o quadro atual. Não creio que haja qualquer espaço para alterar a legislação do aborto, por exemplo, ou para recuar nos direitos já conquistados pela comunidade LGBT. Não vejo espaço para recuar, mas vai segurar um pouco dos ímpetos para ir além”, afirma ela.
Para o especialista em Direito Civil e membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) Afonso Celso de Oliveira – que, assim como André Mendonça, é pastor da Igreja Presbiteriana –, Mendonça tem uma “vasta experiência jurídica, um trabalho irretocável e ilibado na administração pública” e um currículo acadêmico “de uma grandeza ímpar”.
Em relação à defesa de pautas de costumes conservadoras, Oliveira acredita que o mais importante é que Mendonça “siga e cumpra a Constituição Federal e os tratados internacionais que o Brasil subscreve de direitos humanos”, já que assim, por tabela, estará defendendo essas pautas.
“Defendendo a Constituição brasileira, certamente defenderá também as pautas conservadoras, porque essas pautas já estão incluídas na Constituição brasileira – a questão do casamento civil, da criminalização do aborto no Brasil, da criminalização das drogas no Brasil, da defesa da família, da liberdade do cidadão, da liberdade de expressão, da liberdade religiosa… Isso tudo é pauta conservadora. Isso tudo está constitucionalizado na nossa Carta Cidadã de 1988”, diz o jurista. “Eu não tenho dúvidas de que o Dr. André vai se pautar pelo julgamento técnico, e não ideológico e nem político. Se ele seguir apenas no caminho técnico, no caminho jurídico, o Brasil vai ganhar muito com isso”, acrescenta.
Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), diz que nas pautas de costumes mais discutidas atualmente, como aborto, eutanásia, casamento civil e drogas, André Mendonça tem posições claramente opostas ao viés atual da Corte.
Sobre as dúvidas que ficaram em torno de seu depoimento sobre o casamento homoafetivo – Mendonça afirmou que defenderá “o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo” –, Pereira Júnior acredita que essa era a resposta a ser dada naquele contexto.
“A postura dele de falar que vai respeitar o direito ao casamento homoafetivo é a postura que ele tinha que ter assumido durante a sabatina. Há um regramento do próprio CNJ nesse sentido, e há também uma decisão do STF. Juntando essas duas coisas, na sabatina, se ele dissesse ‘não vou cumprir’, ele estaria assumindo um tipo de batalha quixotesca”, comenta. “Não me parece que, por ter afirmado que respeitaria o casamento homoafetivo estabelecido pela Corte, ele estaria, neste momento, rasgando a sua percepção pessoal sobre essa matéria ou, ainda, divulgando um tipo de rendimento pleno a essa percepção. Nada impede que ele venha, em situações que possam possibilitar eventual revisão dessa matéria, manifestar opinião diversa”, acrescenta.
André Mendonça vai contrariar a tendência do STF de tentar reescrever a Constituição, diz jurista
O juiz e professor-pesquisador André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em Filosofia do Direito, Epistemologia e Antropologia Filosófica, comemora o fato de Mendonça ser “um não aderente do neoconstitucionalismo [como costuma ser chamada no meio jurídico a tendência de protagonismo dos juízes na interpretação da Constituição]”.
“Vai ser uma espécie de "claraboia de alento" e, nesse ponto, de racionalidade em postura hermenêutica. Hoje, o Supremo é uma espécie de "selva pantanosa de interpretações" aqui e acolá que consistem em verdadeiras reescritas ou tentativas de se reescrever a Constituição, sem legitimidade constitucional e mesmo democrática. Então, vejo isso como um ganho, um ganho espetacular, ainda que, no frigir dos ovos, em muitas questões, isso não vá ser decisivo, porque ele tende a ser minoria”, afirma.
Ele é cético, no entanto, em relação à “manutenção ou aprovação de pautas conservadoras ou certo estancamento das pautas progressistas no STF”. “Como uma andorinha só não faz verão – lá são 11 ministros –, em termos de resultados práticos, para os defensores da pauta conservadora ou de costumes, vai ser no máximo um resultado de redução de danos”.
Por outro lado, Gonçalves Fernandes diz que a presença de Mendonça e suas intervenções na Corte podem despertar a reflexão na sociedade, mesmo que os placares sejam amplamente favoráveis à visão de mundo dos antigos ministros. “Pode servir de ponto de inflexão ou de reflexão, para que, como fruto disso, a sociedade possa se conscientizar e se convencer sobre a razoabilidade dos argumentos da pauta que o ministro André Mendonça representa. Isso pode ter algum efeito a médio ou longo prazo”, observa.
Outra vantagem da presença de Mendonça no STF, segundo o jurista, “é que um conservador é sempre uma pedra no sapato”. “Ele questiona a pauta progressista e, ao fazê-lo, coloca em xeque a suprema vaidade do ser humano – e daqueles que representam a suprema vaidade de construir um mundo racionalmente perfeito e arrogantemente alheio à dimensão transcendente. Então, nesse ponto, eu estou muito otimista de que o ministro André Mendonça será uma pedra no sapato lá no STF.”
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