O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, negou um pedido de Habeas Corpus (HC) apresentado pela defesa do empresário Cleriston Pereira da Cunha ainda no início do ano.
A decisão de Mendonça teve como base uma súmula do STF que impede um ministro da Corte de conceder HC contra um ato de outro ministro. A prisão de Cleriston foi ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Cleriston sofreu morte súbita nesta segunda-feira (20) durante banho de sol na Papuda, onde estava preso preventivamente há dez meses por suposto envolvimento nos atos do dia 8 de janeiro.
Devido a comorbidades, Cleriston chegou a receber do Ministério Público Federal (MPF) um parecer favorável à saída da Papuda.
O pedido de liberdade provisória foi encaminhado a Moraes no fim de agosto e aguardava análise do ministro. Cleriston tinha 46 anos, morava em Brasília e deixa esposa e duas filhas.
“Mostra-se incabível a impetração, uma vez voltada contra ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Conforme o enunciado nº 606 da Súmula do STF: ‘Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso’. Com efeito, esta Suprema Corte firmou o entendimento de não ser cabível habeas corpus contra ato de Ministro ou de Órgão colegiado do STF, em virtude da incidência, por analogia, do referido verbete”, diz um trecho da justificativa de Mendonça proferida na decisão do dia 27 de fevereiro de 2023 em que negou o HC.
Em outro trecho da decisão, ao relatar o pedido da defesa, Mendonça diz que o advogado teve negado o pedido de HC pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que alegou incompetência para atender o pedido uma vez que o relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, não concedeu esse poder aos juízes do TRF1 e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“O Desembargador Relator declarou a incompetência da Corte, uma vez que, no âmbito do Inquérito nº 4.879, 'o Ministro Relator, Alexandre de Moraes, delegou aos juízes do TJDFT e do TRF da 1ª Região a competência para a realização das necessárias audiências de custódia dos indivíduos presos em flagrante em decorrência daqueles fatos, ressalvando expressamente, contudo, o poder da Corte Suprema sobre a deliberação acerca de eventuais pedidos de relaxamento de prisão, conversão em prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória'", destacou Mendonça.
A decisão do ministro André Mendonça não levou em conta os problemas de saúde do réu e as dificuldades enfrentadas por Cleriston dentro da carceragem.
No relato da defesa também são citados abusos cometidos durante a prisão e no processo acusatório contra o empresário. Na petição, o advogado Bruno Azevedo anexou laudo médico informando sobre a condição delicada da saúde do empresário e alertando sobre o risco de morte súbita caso os tratamentos médicos não fossem retomados de forma adequada.
“Conforme Laudo Médico em anexo, o flagranteado faz acompanhamento na reumatologia do HRT há cerca de 8 (oito) meses, por quadro de vasculite de múltiplos vasos e miosite secundária à covid-19, tendo, inclusive, permanecido internado por 33 (trinta e três) dias e submetido a uma série de procedimentos, fazendo uso de medicação diária de 12 em 12 horas, pois corre risco de morte em caso de não utilizar os fármacos, e desde que está preso, não tem se medicado, correndo risco iminente de sofrer um mal súbito e ir a óbito no centro de detenção provisória, local em que se encontra”, diz um trecho da petição do dia 12 de janeiro.
Cleriston era réu primário, sem antecedentes criminais, tinha endereço fixo e era o único provedor da sua família.
Procurado pela Gazeta do Povo, o advogado Bruno Azevedo disse que na época do pedido, todos os advogados dos réus do 8 de janeiro se viram diante de situações novas e seguiram o caminho natural de recorrer à instância superior, porém, tiveram os pedidos de relaxamento de prisão negados com base na súmula do STF que embasou a decisão do ministro André Mendonça.
“Todos os colegas que entraram com pedidos de Habeas Corpus na mesma época tiveram os pedidos negados pelo mesmo motivo [...] A partir daí providenciamos outros pedidos de relaxamento da prisão por outros meios”, disse Azevedo.
Para o advogado, tendo em vista toda a "novidade" do inquérito, a decisão de André Mendonça não pode ser considerada autoritária.
Relatórios oficiais apontam violações de direitos humanos dos réus do 8/1
Pelo menos, três relatórios de diferentes entidades apontam violações de direitos humanos dos presos pelo 8/1. Na época em que o ministro André Mendonça negou a soltura de Cleriston Pereira, apenas um dos três relatório havia sido publicado.
No dia 23 de janeiro de 2023, a Defensoria Pública da União (DPU), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Ministério dos Direitos Humanos, e a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPU-DF) emitiram um documento conjunto em que relatam diversos problemas por conta do aumento repentino da população carcerária no Distrito Federal (DF).
Além de relatar a detenção de mulheres grávidas, crianças e idosos, o documento alerta para a falta de condições básicas de higiene, superlotação das celas e outros problemas ligados à falta de estrutura da carceragem.
Em março, após inspeção nos centros de detenções, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) concluiu que as prisões do 8 de janeiro causaram superlotação no sistema prisional o que levou a diversos problemas, como “falta de privacidade para realização das necessidades básicas”, “falta de ventilação e iluminação” e “falta de itens básicos de higiene como sabonete, papel higiênico e absorventes”.
Outro relatório publicado no mês de outubro pela Associação dos Familiares e Vítimas de 8 de Janeiro (Asfav) destaca “violações dos direitos humanos” dos presos do 8/1 e “abusos cometidos pela Polícia Federal (PF)” durante as prisões de “pessoas idosas, responsáveis por menores e pessoas com comorbidades”.
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