Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques votaram, nesta quarta-feira (6), no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Mas o ministro Dias Toffoli pediu vista e suspendeu julgamento.
Mendonça e Nunes Marques acompanharam o ministro Cristiano Zanin, que, no ano passado, abriu a divergência no julgamento, para manter a previsão legal que criminaliza a conduta. “Vou seguir essa linha de não descriminalizar”, afirmou Mendonça, em uma de suas primeiras falas.
Com isso, o placar da votação está em cinco votos a favor da descriminalização e três contra. Quando o julgamento for retomado, os próximos a votar são os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Em seu voto, Zanin concordou com a necessidade de fixar uma quantidade máxima, em poder da pessoa flagrada com maconha, para diferenciar o usuário do traficante, cuja conduta permanece criminosa e punível com pena de prisão. O porte para consumo, embora tipificado como crime pela Lei de Drogas, não leva à pena de prisão, mas a sanções de advertência sobre efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a curso educativo.
Até o momento, existem cinco votos pela descriminalização – dos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. A tendência é que eles definam como usuário quem portar entre 25 e 60 gramas, ou 6 plantas fêmeas da cannabis. Zanin, embora defenda a criminalização, propôs 25 gramas ou 6 plantas. Mendonça propôs que o Congresso estabeleça a quantidade de usuário, mas que até lá, seja fixado limite de 10 gramas.
Ministros favoráveis à descriminalização do porte de maconha para consumo contrapõem Mendonça
Logo no início do voto de Mendonça, Luís Roberto Barroso, que preside o STF, Alexandre de Moraes, que propôs a quantidade máxima, e Gilmar Mendes, que é relator da ação, tentaram explicar ao colega o que envolve a criminalização.
Barroso disse que manter o delito poderia prejudicar jovens negros e pobres que, mesmo flagrados como usuário, sem prisão, teriam mais dificuldade de conseguir emprego quando apresentasse sua ficha criminal. “Para o jovem pobre que estiver procurando emprego, se constar da certidão de antecedentes dele que não é mais primário, ele tem uma dificuldade a mais numa vida que já é difícil”, disse.
Moraes argumentou que outra mudança prática é que, na ausência de crime no porte, a polícia não poderia mais entrar na casa de alguém que estivesse consumindo a droga para um flagrante delito, sem ordem judicial prévia. “Ao descriminalizar, a polícia não pode mais entrar no domicílio de alguém para delito flagrante. E também não permite que a pessoa fume no cinema”, ressalvou, referindo-se ao fato de que o consumo continuaria sendo ilícito.
Gilmar Mendes acrescentou que a descriminalização também não permitiria a abertura de coffee shops, como em Amsterdã, que permitem a compra e o consumo. Esclareceu que ao transformar o crime num ilícito administrativo, a pessoa flagrada portando maconha só não estaria mais sujeita à sanção de prestação de serviços à comunidade, que tem caráter penal. Mas ainda tomaria advertência e seria obrigada a uma medida educativa.
Mendonça questionou qual autoridade imporia tais medidas, mas não houve resposta clara. “Essa é a proposta do modelo”, disse Gilmar Mendes, acrescentando depois que o caso poderia ser acompanhado por um juiz civil, não penal.
Mendonça reforça riscos da maconha à saúde em seu voto
No voto, Mendonça disse que “existe uma má imagem na sociedade de que maconha não faz mal”. “Causa dano, danos sérios, e maiores que o cigarro. Ao mesmo tempo, isso é importantíssimo para melhor delimitarmos a quantidade, conforme a gradação dos riscos à saúde”, disse o ministro.
Ele citou estudos de médicos, professores e pesquisadores da USP, Unifesp, Uniabc que apontam os riscos à saúde. Segundo o estudo, ao menos 9% dos que usam a maconha ficam dependentes e ficam sujeitos a esquizofrenia, psicoses, bipolaridade, depressão, ansiedade, transtornos de personalidade e distúrbios na área sexual e reprodutiva.
“Fumar maconha, transformar maconha em cosméticos como se fosse um produto qualquer vai além do usuário e pode atingir a família e a sociedade. O número de crianças intoxicadas por ingestão acidental que chegam na emergência, os acidentes de trânsito, os adolescentes sob efeito da substância expostos a relacionamento sexual inseguro e como consequência uma gravidez indesejada, ou a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. A escalada para uso de drogas de abuso, o envolvimento em situações de violência ou relacionamento abusivo, prejuízo cognitivo e a síndrome amotivacional, a queda acentuada da fertilidade masculina e do libido, com graves consequências na vida sexual e reprodutiva, além de cognitiva. Comprometimento na vida escolar, universitária, acadêmica, laboral, familiar e social, entre outras. Repercussões observadas nos estudos vêm aumentando”, disse Mendonça.
Afirmou depois que a descriminalização é tarefa do Legislativo e voltou a questionar quem aplicaria as sanções se o consumo for tratado como um ato ilícito comum. “
Vamos jogar para um ilícito administrativo, qual a autoridade administrativa? Não é para conduzir para a delegacia, quem vai conduzir, para onde? Quem vai aplicar pena, ainda que seja medida restritiva? Na prática, estamos liberando o uso”, afirmou.
Nunes Marques segue Zanin e Mendonça no STF e vota contra descriminalização do porte de maconha
Nunes Marques seguiu Cristiano Zanin e André Mendonça, que defenderam apenas a definição de uma quantidade máxima da droga em poder da pessoa que diferencie o usuário do traficante.
Assim como os colegas, no voto, ele citou estudos que apontam danos à saúde, à família dos usuários e à comunidade. Argumentou que a Lei de Drogas, aprovada em 2006, já retirou a pena de prisão para usuários, que ficam sujeitos a sanções de advertência, serviços à comunidade e medida educativa. Ele confrontou a proposta de transformar essas punições penais em sanções administrativas – o uso continuaria ato ilícito, mas não um crime, livrando o usuário de processo criminal, mas há dúvida sobre que autoridade acompanharia o caso.
“A solução é contraditória. Se o direito à intimidade impede que o legislador crie o tipo penal, pela mesma razão ele obstaria também a tipificação da infração administrativa, pois não se poderia haver nenhuma ilicitude no exercício de um direito fundamental. A solução possível seria considerar lícita, e portanto, impunível, a conduta de portar drogas para uso próprio, o que poderia induzir consequências imprevisíveis sobre o consumo de substâncias entorpecentes em locais públicos, especialmente em escolas e outros locais frequentados por crianças e adolescentes”, afirmou.
Votaram para descriminalizar, tornando o consumo um ilícito administrativo, os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Eles argumentam que não há um critério claro da polícia para diferenciar usuários de traficantes, cuja atividade leva à prisão. Muitos consumidores, especialmente negros, pobres e de periferia, seriam enquadrados como traficantes e acabariam presos com bandidos violentos.
Nunes Marques reconheceu que após a Lei de Drogas aumentou o número de presos por tráfico, mas segundo ele, isso não seria uma consequência da criminalização de usuários.
“O aumento das prisões decorrentes do prática de crime de tráfico é fenômeno complexo e multifatorial, ligado ao desenvolvimento da macrocriminalidade no plano internacional e no Brasil. Entre as causas está o fato de o Brasil ter passado de país corredor do tráfico de maconha e cocaína, entre América do Sul e Europa, passando pela África, para país consumidor, figurando inclusive entre os maiores consumidores de maconha no mundo, e o segundo de cocaína, atrás somente dos EUA. Essa realidade é a confirmação eloquente de que o aumento do consumo alimenta o tráfico e descriminalização do porte incrementa o consumo”, afirmou.
Em seu voto, Nunes Marques também citou experiências recentes de países ou estados que buscam rever a política de descriminalização, como Portugal e Oregon, nos Estados Unidos. Afirmou que autoridades locais têm notado um aumento expressivo do consumo e impactos na saúde e na segurança pública. tem menu de contexto
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