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Antes da morte do empresário Cleriston Pereira da Cunha - vítima de um mal súbito durante banho de sol na Papuda, onde estava preso preventivamente há dez meses por suspeita de envolvimento nos atos do dia 8 de janeiro - pelo menos três relatórios oficiais de diferentes entidades apontaram violações dos direitos humanos dos réus dos 8/1.
Desde janeiro a defesa do empresário tentava um pedido de liberdade provisória com base em laudos médicos que alertavam para o risco de morte súbita caso Cleriston não retomasse os tratamentos adequados fora da carceragem.
Nos pedidos de soltura, o advogado também alegava abusos cometidos durante a prisão do empresário e no andamento do processo acusatório.
Devido a comorbidades, Cleriston chegou a receber do Ministério Público Federal (MPF) um parecer favorável à saída da Papuda.
O pedido de liberdade provisória foi encaminhado a Moraes no fim de agosto e aguardava análise do ministro. Cleriston tinha 46 anos, morava em Brasília e deixa esposa e duas filhas.
No dia 23 de janeiro de 2023, a Defensoria Pública da União (DPU), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Ministério dos Direitos Humanos, e a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPU-DF) emitiram um documento conjunto em que relatam diversos problemas por conta do aumento repentino da população carcerária no Distrito Federal (DF).
Além de relatar a detenção de mulheres grávidas, crianças e idosos, o documento alerta para a falta de condições básicas de higiene, superlotação das celas e outros problemas ligados à falta de estrutura da carceragem.
O relatório elenca violações à Constituição Federal de 1988; à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; ao Código de Processo Penal; à Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84); aos Parâmetros Internacionais oriundos do caso Acosta Calderón v. Equador, caso Chaparro Álvarez e Lapo Iñiguez v. Equador, caso Cabrera García e Montiel Flores v. México; e caso López Álvarez v. Honduras; à Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes da ONU; às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela); às Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); a decisões do STF proferidas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347 e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5240; e à resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Durante a realização das audiências de custódia, constataram-se ações e omissões que, em alguma medida, apresentaram contradição a direitos e garantias fundamentais. A despeito da gravidade dos fatos, é exatamente em contextos como o atual que o Estado Democrático de Direito é testado ao limite para garantir, inclusive aos que o negaram, os direitos fundamentais sem qualquer tipo de discriminação”, diz um trecho do relatório.
Em março, após inspeção nos centros de detenções, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) concluiu que as prisões do 8 de janeiro causaram superlotação no sistema prisional o que levou a diversos problemas, como “falta de privacidade para realização das necessidades básicas”, “falta de ventilação e iluminação” e “falta de itens básicos de higiene como sabonete, papel higiênico e absorventes”.
“De acordo com o relato das mulheres, a quantidade disponibilizada no kit é insuficiente, os papéis higiênicos e absorventes femininos fornecidos pela unidade são finos e de péssima qualidade, pois não seguram o fluxo menstrual. Elas reivindicam que seja distribuído mensalmente quatro pacotes de absorventes ao invés de dois. Para não gastar o papel higiênico por conta da intensidade do fluxo, elas têm improvisado o uso de pedaços de tecidos de lençóis velhos, que são impróprios para esse fim”, diz um trecho do relatório do MNPCT.
Outro relatório publicado no mês de outubro pela Associação dos Familiares e Vítimas de 8 de Janeiro (Asfav) destaca “violações dos direitos humanos” dos presos do 8/1 e “abusos cometidos pela Polícia Federal (PF)” durante as prisões de “pessoas idosas, responsáveis por menores e pessoas com comorbidades”.
No documento, a Asfav destaca que as violações também têm sido denunciadas por juristas, porém, “tais apelos são ignorados pela Suprema Corte que tem aplicado penas duríssimas aos acusados, que chegam a 17 anos, não dando a estes a oportunidade de defesa”.