Até maio de 2008, quando devem ser concluídas as obras da Linha Verde, corredor viário que vai cortar Curitiba no trajeto da antiga BR-116, as escavadeiras, tratores e funcionários que trabalham na obra terão a companhia de uma equipe pouco atenta às benesses que o projeto trará para o trânsito e para o urbanismo da capital. O time do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (Cepa) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estará preocupado com a terra remexida, barrancos disformes e camadas de entulho que não receberiam a mínima atenção dos leigos. "Para nós, as obras do Eixo são uma grande oportunidade de pesquisar sobre o passado da cidade. Provavelmente, devido à urbanização que a obra vai gerar, será nossa última chance", explica o arqueólogo Igor Chmyz, coordenador do projeto.
A expectativa de Chmyz tem motivo. O trabalho dos arqueólogos exige o monitoramento de áreas que, com a ocupação urbana, seria impossível de ser feito. A limpeza do solo, feita ao longo dos 9,4 quilômetros de extensão da Linha Verde entre o Pinheirinho e o Jardim Botânico, garante a oportunidade para identificar peças fundamentais na compreensão da ocupação do território de Curitiba. "Mais tarde vai tudo virar concreto e não teremos como agir."
O trabalho do Cepa teve início em maio de 2004, foi interrompido logo em seguida e retomado em novembro de 2006. Desde então, já foram identificados artefatos produzidos por populações indígenas que habitaram a região há mais de quatro mil anos.
"Ainda não chegamos à idade correta desses objetos. Mas em trabalhos anteriores, em regiões bem próximas, às margens do Rio Iguaçu, localizamos artefatos feitos há pelo menos dois mil anos antes de Cristo", diz Chmyz.
A análise inicial do Cepa identificou fragmentos de vasos, cestas, panelas, lascas de raspadores e flechas utilizadas para a caça. Os objetos eram utilizados por índios do tronco lingüístico Marco-Gê, representando no Paraná pelos caingangues, que conforme percebiam a aproximação do homem branco iam rumando para o interior. "Identificamos também panelas e vasos mais recentes que combinam técnicas guaranis e européias", diz o arqueólogo. Segundo ele, essa mescla é natural já que os guaranis interagiram com os colonizadores e foram fundamentais para a fixação dos mesmos. Para Chmyz, este material é uma chance de jogar luzes sobre a colonização portuguesa em Curitiba. "A história do começo desse contato entre europeus e as populações indígenas é mal documentada. Este trabalho pode representar um grande avanço."
O material encontrado nas obras da Linha Verde será todo documentado e fará parte do acervo do Cepa. O centro também pretende publicar uma monografia com os resultados da pesquisa.