Um dos avanços promovidos pela civilização ocidental foi a ideia de que todos os indivíduos têm o mesmo valor, sem distinção de raça, e que a lei deve tratá-los da mesma forma. Fundada na teologia cristã, a ideia ganhou nova força no período do liberalismo clássico, nos anos 1700, e levou à abolição da escravidão e à proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração, elaborada pelas Nações Unidas em 1948, começa afirmando que “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”
Esta é a forma como a lei que tipifica o crime de racismo no Brasil. A versão atual, aprovada em 2023, prevê que é crime “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.”
Mas, no que depender de alguns grupos de esquerda, essa concepção de igualdade racial será riscada do mapa.
Isso ficou claro na reação ao caso de Marcelle Decothé, então assessora da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Marcelle conseguiu, de uma vez, atacar brancos, descendentes de europeus e paulistas em uma única mensagem postada em sua página no Instagram em 24 de setembro. A assessora foi demitida. O Ministério Público abriu investigação. Parlamentares pediram que ela respondesse na Justiça por racismo.
Enquanto isso, boa parte dos grupos que se proclamam antirracistas correram em desmerecer a acusação contra Marcelle. Segundo eles, o racismo contra os brancos é uma impossibilidade lógica porque o racismo é uma “relação de poder”, como escreveu Monica Cunha, vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL.
Segundo esse raciocínio, quando um negro discrimina um branco, a vítima está apenas pagando pelos seus pecados (ou pelos de seus antepassados). A ideia é fruto da noção de “racismo estrutural”, importada recentemente dos Estados Unidos pelos progressistas brasileiros e popularizada por acadêmicos radicais como Silvio Almeida, atual ministro dos Direitos Humanos. Acontece que, ao contrário do que houve no Brasil, os Estados Unidos de fato tiveram um sistema de segregação oficial entre negros e brancos que perdurou até o fim dos anos 1960 em alguns estados.
A ONG Gênero e Número, por exemplo, escreveu que a ideia de que brancos podem ser vítimas de racismo é, na verdade, perigosa. “O ‘racismo reverso’, além de não ser possível, é uma ideia perigosa por ignorar que o racismo é uma estrutura de poder que mantém pessoas negras na base”, escreveu a organização, que recebeu recursos da Open Society, de George Soros, pelo menos duas vezes nos últimos cinco anos. Também há quem defenda a ideia de graça, como a professora da UFC (Universidade Federal do Ceará) Lola Aronovich.
Guinada dentro da esquerda
O conceito de racismo estrutural e a noção de brancos não podem ser vítimas de racismo, entretanto, contrariam a posição história da própria esquerda brasileira.
A escritora Bruna Frascolla, que é doutora em Filosofia e colunista da Gazeta do Povo, lembra que, em sua primeira passagem pela presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva elaborou um manual em que alertava para o racismo contra brancos. “A cartilha incluía como racismo o preconceito contra brancos, condenando a expressão ‘colono’, que é usada no Sul para se referir a descendentes de imigrantes rurais alemães e italianos e tem conotação pejorativa”, Bruna diz.
Em meio ao debate sobre o caso de Marcela Decothé, o professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Wilson Gomes — que é negro e de esquerda — criticou a ideia de que negros devem ter carta branca para discriminar brancos. “Nada há, em qualquer definição aceitável de racismo, que a priori exclua que indivíduos brancos, asiáticos, indígenas, árabes, judeus, ciganos possam alvo de racismo”, escreveu ele.
Para Bruna Frascolla, a negação do “racismo reverso” é um sintoma de um problema maior: a velocidade com que a agenda identitária (que enfatiza a identidade racial, de gênero ou orientação sexual) tem avançado na chamada elite intelectual brasileira. Nas universidades, em especial, a politização excessiva deu vazão a cursos como “estudos de gênero”, que oferecem poucas habilidades úteis ao mercado de trabalho.
O número de estudantes que procuram as universidades federais tem diminuído nos últimos cinco anos. Bruna não tem dúvidas de que a adoção da agenda identitária é parte da explicação para o fenômeno: “A consequência [da militância nas universidade] é a irrelevância”, ela diz.
De certa forma, é verdade que não existe racismo reverso. O reverso do racismo é a tolerância. E o racismo continua sendo a discriminação por raça.
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