Aos 76 anos, o carpinteiro aposentado Antonio Pereira de Santana acaba de conquistar o título de advogado. Após três tentativas, ele conseguiu passar no concorrido exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), feito comemorado em solenidade no último dia 24 de março. Formado em Direito pela faculdade Opet desde 2011, Antonio teve de levar o projeto a sério e abandonar outras atividades. A preparação durou mais de um ano. “Encarei até passar. Você tem que largar o mundo e estudar. Se não se dedicar, não passa”, ensina.
A intenção, a princípio, nem era advogar, mas cursar a graduação para conhecer as leis e seus direitos, e dar um respaldo acadêmico à sua experiência como líder sindical. Por 12 anos Antonio foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil (Sintracon) de Curitiba. “Mas depois que me formei, os parentes cobraram tanto que eu tive que fazer a prova da OAB. Já advogo em causa própria, agora, vou advogar pros outros.”
Na verdade, os cinco anos de faculdade funcionaram como uma espécie de estágio, em que Antonio estava sempre buscando acordos e conciliações, e por causas alheias, não próprias. A idade e o passado como dirigente sindical faziam com que ele fosse chamado a intermediar muitas negociações. “Minha função era apagar incêndio. Quanto tinha atrito de aluno com professor, de professor com aluno, eles me chamavam: ‘Ô Seu Antônio, vai conversar com a diretora’. Todo pepino queriam passar pra mim”, conta. Uma vez, a mãe de um aluno “todo tatuado e com o boné virado pra trás” rogou que ele intercedesse junto à direção da faculdade para impedir a expulsão do rapaz. “Respondi: como é que vou fazer isso, mulher de Deus, nem meu parente ele é!.”
A habilidade para descascar abacaxis foi aprendida “na vivência da vida” e durante o tempo no sindicato. “Peão não aceita perder, e às vezes você perde. Imagina ter que chegar pro peão e dar a má notícia. Tem que ter um jogo de cintura bacana”, diz. Mas Antonio não quer mais atuar na área do direito trabalhista. “Não tenho vontade mais. Pretendo trabalhar com a previdência social, auxiliando os outros a se aposentar”, revela.
Seis meses sem chuva
Antonio nasceu na Bahia, nas proximidades da cidade de Urandi, perto da divisa com Minas Gerais, e se mudou com pais e irmãos para Porecatu, no Paraná, aos 7 anos. “Você já ouviu falar da seca? Tem um povo chamado retirante, que foge da seca. Já morei em lugar que ficava seis meses sem chover”, relata.
Na nova morada, a família ganhou o sustento na lavoura da cana e em uma grande usina de açúcar. “Nessa usina, trabalhei como carpinteiro por 10 anos e 8 meses, sem registro. Até que um dia resolvi ir atrás dos meus direitos e fui a Brasília pra falar com o ministro do Trabalho, que era o coronel Jarbas Passarinho.” Antonio só conseguiu falar com um assessor, e na volta da viagem ainda foi demitido, mas a empreitada valeu a pena. “Pra mim não adiantou nada, mas todos os meus 400 colegas foram registrados depois que fiz a denúncia.” Foi assim que começou sua trajetória na luta pelos direitos dos trabalhadores.
Em 1969, ele se mudou para Curitiba e seguiu trabalhando como carpinteiro. Antonio apoiou e teve participação ativa na greve geral da construção civil de novembro de 1979. A paralisação teve adesão de mais de 10 mil pessoas e foi encabeçada por um grupo de mulheres que limpavam os prédios antes da entrega, tirando restos de massa, e não estavam recebendo hora extra. “Naquele ano teve mais de 1.400 greves trabalhistas de várias categorias no Brasil, estava uma verdadeira guerra. Acabaram com a nossa greve na porrada, os homens do presidente João Baptista Figueiredo desceram o cassetete na gente com fé e coragem”, relembra.
Carpintaria pra família
Antonio foi eleito presidente do Sintracon em 1980, e permaneceu no posto até 1992. Depois que saiu da entidade, voltou a ser carpinteiro na construtora onde trabalhava antes. Quando acabou o prazo de um ano de estabilidade, foi demitido. “Então pedi minha aposentadoria, mas por causa da dificuldade de comprovar aqueles 10 anos e 8 meses que trabalhei sem registro, ela só saiu em 2004.” Assim que se viu aposentado, tratou de entrar na faculdade de Direito.
Mesmo aposentado, e agora, advogado, Antonio não largou os trabalhos de carpintaria. “Faço pra mim mesmo, pros meus parentes. Melhor fazer eu mesmo do que pagar pelo serviço, não é mesmo?”. Atualmente, ele se dedica a uma obra na casa da filha mais velha, na divisa entre os bairros Boqueirão e Hauer. Antonio tem duas filhas e uma neta e mora no Pinheirinho com a segunda esposa, que é enfermeira aposentada.
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